sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A AMAZÔNIA DE TRINTA ANOS ATRÁS. E A DE HOJE?

                                                  Benedito Carvalho Filho

Vou começar os meus comentários sobre a belíssima apresentação que o Lúcio Flávio fez no número 522 do JP, da 1ª quinzena de 2017, ao apresentar o livro Conflitos sociais e a formação da Amazônia (486 páginas), de Marianne Schmink e Charles Wood, lançado na Feira do Livro pela ed.ufpa. que, segundo o jornalista, passa a ser um clássico da bibliografia amazônica.
Explico a razão de começar por aqui:
Em primeiro lugar por uma razão que diria  afetiva e acadêmica. Afetiva porque tive o privilégio e a honra de ter participado durante quase dois meses com os dois pesquisadores nas suas incursões por São Félix do Xingu como pesquisador de campo, indicado pelo próprio Lúcio Flávio, apesar de, na época, estar residindo em São Paulo, onde fazia meus estudos universitários na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-São Paulo).
Foram momentos de muito aprendizado para esses dois pesquisadores e para mim que, apesar de ter passado minha infância, adolescência e parte da juventude na capital paraense e conhecido o pouco o interior da Amazônia (morei dois anos em Cametá ainda jovem fazendo trabalho do que hoje se chama educação popular) pude testemunhar a simplicidade desses dois pesquisadores e, ao mesmo tempo a paixão e amor com que se dedicavam à pesquisa.
Vivemos momentos inesquecíveis. Recordo um incidente de campo que ocorreu na pesquisa de campo. Charles, de estatura alta, e com uma bolsa amarrada na cintura, entrou comigo na casa de um camponês que se assustou, pensando que o pesquisador americano estava armado com uma pistola.
Era uma época de muita tensão na região e o camponês imaginou que alguma coisa ia aconteceu com ele. Eu era da região e consegui explicar para o cidadão quem éramos e o que desejávamos. As coisas se acalmaram e consegui entrevistar o morador. Charles, assustado, temia fazer o trabalho de campo. Coisas que acontecem com todo pesquisador, principalmente quando vão a campo.
Mas a aventura do trabalho do campo nos desafiava, e graças a nossa paciência e os laços de amizade que construímos em tão pouco tempo, demos conta da tarefa e aprendemos muito com essa experiência inesquecível.
A segunda razão de ter começado com essa recordação da pesquisa de campo no Xingu tem muito a ver com as matérias do JP anteriores, especialmente A Odisséia de Carajás, os interesses do Brasil, Escândalo ignorado: as grandes queimadas e O fogo foi apagado pela história oficial.
Se não estou enganado, na época, os anos 80, Lúcio Flávio Pinto escrevia a sua coluna no O Liberal chamada Informe Amazônico e comentava os grandes projetos amazônicos. Muitos desses artigos foram publicados em livros posteriormente.
Mas, as minhas perguntas são as seguintes: 1) Será que naquela época (30 anos atrás) imaginávamos o que viria acontecer na Amazônia, em especial no Sul do Pará, naquela região rica e longínqua da Amazônia?
 2) Imaginávamos que trinta anos depois que  os trens da Vale do Rio Doce levaria  de Carajás  aquela imensa quantidade de minério de ferro, citados na reportagem, transportando uma carga diária que vale 60 milhões de dólares quando chega a seu destino (60% para a China e 20% para o Japão) levando ao dia 576 mil toneladas do melhor minério de ferro do mundo, com pureza de mais de 65% de hematita, sem igual na crosta terrestre, segundo a informação do jornalista? 3) Imaginávamos que os 400 hectares de solo fértil, uma das melhores do Estado do Pará, se transformariam  para a produção de gado e hoje tem o maior gado bovino do Estado, de importância nacional, como afirma o JP?
Se, como afirmam Marianne e Charles, é difícil fazer quaisquer previsões mais específica sobre o futuro da Amazônia são arriscadas, o que poderíamos imaginar quando lemos na matéria O escândalo ignorado:
as grandes queimadas, que nos informa que “entre 1º de janeiro e 10 de agosto do ano passado, os satélites que monitoram os recursos naturais da Terra registraram 23,6 mil incêndios no Brasil?” Que,  o mesmo período deste ano, a soma atingiu 40,2 mil focos de fogo? E, mais: “que nesse caso, acredita que as queimadas chegarão a 200 mil ou mesmo 250 mil, cinco vezes mais do que a marca do ano recorde, o de 2010, quando foram anotados 44,8 mil incêndios
Sem negar uma dose de nostalgia, pelas informações que o JP nos tem fornecido, não dá para ser otimista sobre o futuro da região, principalmente porque forças poderosíssimas estão por trás desse processo; a força do capital, que, segundo o Antônio Delfim Netto, chamou num artigo da revista Carta Capital de um novo processo civilizatório, o que significa a adoção de um desenvolvimento que privilegia os donos do setor agroindustrial e pecuário, o setor mineral, que segundo o ex-ministro da ditadura, são grandes poupadores de mão de obra, embora exportem  para fora (China e Japão, como vimos) as nossas matérias primas, esgotando a mais preciosa jazida de ferro do mundo.
 Como constata o JP, a partir de 2017, quando a duplicação estará feita, a melhor concentração do minério mais usado pelo homem só durará mais 80 anos. Não haverá mais Carajás quando o século XXII estiver começando. Grande parte desse ferro terá sido transformada em construções e produtos na China, que tem um terço da produção siderúrgica mundial. Ou, quem sabe, ainda estará guardada em seu território para uso futuro.
O capital comanda a Amazônia, não mais pelos rios, como na época da borracha, mas pelas estradas. Já percebíamos isso há trinta anos atrás quando observávamos o que estava acontecendo no Xingu.
 O grande Capital quer a Amazônia e não tem o pudor de passar por cima de nacionalidades e bairrismos. No mais, brincamos de fazer política, como vemos na matéria sobre as disputas nas eleições municipais, sob o domínio de uma elite subserviente e aventureira que se alimenta do rescaldo aqui deixado pelo colonizador, atraídos pelas bugigangas tecnológicas, como diz Lúcio, e pelos “grandes projetos”.