terça-feira, 14 de agosto de 2012

A INTERIORIZAÇÃO DA UNIVERDADE UMA TAREFA QUASE IMPOSSÍVEL NA AMAZÕNIA



Benedito Carvalho Filho

O que significa falar na interiorização da universidade brasileira, fenômeno que vem ganhando dimensões cada vez maiores nesses últimos tempos, principalmente na Amazônia, onde a Universidade Federal do Pará e a Universidade Federal do Amazonas expandem-se para diversos municípios do Estado nos últimos tempos?
O que significa esse termo já tão naturalizado pelo senso comum?
Se olharmos mais devagar, baseados na nossa historiografia, na sociologia e na economia política, a “chamada interiorização” da Universidade, por si só, já é uma denominação que revela muitos equívocos e ambigüidades.
Interior é o que está dentro (hinterlândia), o que não significa necessariamente o que está à margem, ou fora. Assim, interior, exterior, dentro e fora, mais do que uma categoria espacial, ou mesmo geográfica, é geopolítica, que tem a ver com a história de ocupação  do Brasil e, também, outros países ao longo de sua história.
A “interiorização” das atividades econômicas, culturais, artísticas, etc. nada mais têm sido nesse imenso Brasil do que a expansão do processo de desenvolvimento do capitalismo em seus diversos momentos históricos, ou seja, de uma longa e contraditória ocupação do hinterland, que alguns historiadores, antropólogos e sociólogos e escritores, como Guimarães Rosa, chamam de o Brasil profundo, ou os sertões; a imensa área do território brasileiro, com seus jagunços (agora chamados de “pistoleiros”) e suas leis pré-escritas, com seus apreços pelos bovinos e  parcamente habitado e ainda não totalmente incorporado à dinâmica do capitalismo.[1] São as chamadas áreas de fronteiras que vão sendo ocupadas pelas frentes de expansão à proporção que o capitalismo avança, gerando tensões, conflitos, como na Amazônia. [2]
É esse o desafio contemporâneo do Brasil, em um momento que o capitalismo, nas suas formas mais complexas e com maior velocidade avança sobre as últimas fronteiras.
Um desafio imenso porque, apesar de tudo, como diz o jornalista Lúcio Flávio em uma entrevista, o brasileiro continua a viver como um caranguejo, arranhando o litoral, para usar uma imagem quinhentista. É sempre o pensamento do litoral voltado para fora do Brasil.
E concluí:
O Brasil não conhece o Brasil. A penetração do sertão, a corrida para o Oeste, mais destrói do que conscientiza. A descoberta do Brasil não passa de movimentos espasmódicos e cheio de exotismo. É o fundador, o descobridor querendo que a paisagem original se transforme de acordo com sua visão, de colonizador. [3]
Acredito, no entanto, que essa “descoberta do Brasil”, nos últimos tempos, não tem sido só espasmódica, com nos ciclos econômicos que experimentamos desde a nossa colonização. A dinâmica do desenvolvimento capitalismo mais recente no Brasil parece indicar que, tanto no Norte com no Nordeste do país está havendo uma interiorização das atividades capitalistas, gerando uma urbanização intensa onde as atividades econômicas se mostram mais dinâmicas, principalmente quando novas indústrias (grandes, pequenas e médias) se instalam, muitas vezes com grandes incentivos governamentais, como acontece com a cidade de Sobral, a 350 quilômetros de Fortaleza, ou aqui mesmo no Pará, como as cidades que ficam nas proximidades de hidrelétricas, de fábricas de minérios, como Marabá, com as atividades da Cia. Do Vale do Rio Doce, a Albrás, na cidade de Barcarena e outras cidades amazônicas.
No Estado do Amazonas, especialmente na sua capital (Manaus), desde os anos 80 com a criação da Zona Franca de Manaus o deslocamento de populações das pequenas e médias cidades do interior tem sido intenso. A cidade incha, como vimos em artigos neste blog, e seus moradores vão ocupando como podem o solo urbano, como se tem visto ao longo dos anos com as ocupações irregulares em locais sem infraestrutura e sem a presença do Estado. Os professores que trabalham nos diversos municípios nas unidades avançadas das universidade enfrentam imensas dificuldades, especialmente naqueles municípios fronteiriços, como Benjamim Constant, onde o tráfico de drogas predomina. Distantes, e, muitas vezes, se apoio, os professores se sente isolados e impotentes para desenvolver o trabalho acadêmico voltado para o desenvolvimento local.Vários casos de alcoolismo são relatados por diversas professores que não poucas vezes reclamam das condições em que se encontram. Para eles a interiorização é um inferno, desestimulando sua presença nessas regiões. 
A política de Interiorização das universidades da Amazônia passa a ser necessária e urgente a partir do momento em que grandes grupos econômicos de mineração, do agronegócios, da pecuária deslocam-se para a fronteira e aceleram um movimento migratório para a região. Grandes projetos são instalados, as cidades crescem numa rapidez inimaginável, como cogumelos, o que, confirma a observação da antropóloga Berta Becker, quando afirma que a fronteira já nasce urbana com intenso ritmo de urbanização. [4]
É no ano de 1986, em pleno período de expansão dos grandes projetos na Amazônia, com o Projeto de Interiorização (I PNI), que a Universidade Federal do Pará (UFPA), por exemplo, implanta os Cursos de Licenciatura Plena em Geografia, História, Matemática, Letras, Pedagogia em oitos municípios do Pará – Altamira, Abaetetuba, Bragança, Castanhal, Cametá, Marabá, Soure  e Santarém.

Bentes, Coelho, Santos,[5] não têm duvidas ao afirmarem que a política de interiorização da UFPA estava intrinsecamente relacionada com a ação desenvolvimentista do Governo Federal e com a proposta deste de tornar a Amazônia uma área de importância estratégica à integração da economia nacional, de modo a possibilitar o avanço da fronteira econômica do país e a integração do mercado nacional, tornando a região grande fornecedora de recursos ao capital nacional e internacional.
Essa política, segundo eles, faz parte de uma lógica que tem explicação não só interna às decisões internas do Estado brasileiro, mas de uma determinação mais geral dos grupos econômicos internacionais, ou seja, de decisões políticas que ficam mais evidentes quando, a partir do Consenso de Washington, em 1989, quando os organismos internacionais, como o Banco Mundial orientavam para que o Estado Nação reduzisse gastos nas áreas sociais, fazendo com que o governo brasileiro investisse na oferta de cursos superiores, expandindo suas funções, sobretudo no interior do país, fato esse que ia de encontro à lógica dos organismos internacionais.
Afirmam, também, que a política de interiorização resulta de um documento elaborado pelo Ministério da Educação e Cultura-MEC, em 1985, no qual o governo brasileiro apresenta um diagnóstico do ensino superior no país, onde aponta para a necessidade da Universidade descentralizar suas funções e manter maior relação com a sociedade.Assim o MEC tomou várias iniciativas no sentido,  a democratizar[6] o acesso ao ensino superior, entre elas a interiorização desse ensino.
Na verdade, o que estava em questão – e isso fica explícito nas falas e documentos de autoridades - era a qualificação da mão-de-obra necessária para sucesso dos projetos pensados para a Amazônia e para o Brasil naquela conjuntura. Mas nem para isso serviu.
O argumento era que o ritmo e a direção do desenvolvimento das políticas educacionais estão relacionados com o alargamento dos mecanismos de controle social, bem como com o nível de desenvolvimento das forças e das relações de produção. Logo, “o projeto de interiorização do ensino superior no interior na Amazônia está em consonância com o projeto desenvolvimentista do governo federal”.
Concordo em parte com essa análise, mas me parece simplificada demais. 
Em primeiro lugar é verdade que a interiorização da universidade faz parte de um projeto do Estado brasileiro que vê a necessidade de formar mão-de-obra para os grandes projetos aqui implantados. A direção que este governo põe em prática a sua política educacional foi uma escolha política dentro de um quadro de uma economia de mercado globalizada, de mercado, como poucas possibilidades de rompimento com os setores hegemônicos que dominam o cenário econômico mundial.
Minha dúvida é se tudo funciona de forma tão linear como aparece nos pressupostos que embasa o argumento.
Terá sido determinante que o Consenso de Washington, o Banco Mundial tenha pressionado a Nação para que reduzisse gastos nas áreas sociais, determinando, assim, que o governo brasileiro investisse na oferta de cursos superiores, expandindo suas funções, sobretudo no interior do país?
Ora, se a pressão era para diminuir os gastos, como afirmam os articulistas, porque autorizaram o governo brasileiro a aumentar a oferta de cursos superiores no interior do Brasil.
A diminuição de gastos era justificada por razões fundamentadas no fato do governo achar que era um desperdício investir em pesquisa, criando uma estrutura universitária no interior nos mesmos moldes dos centros de pesquisas mais avançados do país. Isso eu explico mais abaixo.
Não relevo o papel desses organismos internacionais que, com seu forte poder econômico, exercem, de fato, um grande poder nas políticas dos estados nacionais. Mas não concordo que as coisas ocorrem dessa forma tão pouco contraditórias. Sou mais tendente a acreditar em parte no que os autores apontaram no início de sua análise quando afirmam que uma das forças importantes para que a universidade se expandisse para o interior “surge a partir da pressão social do povo interiorano” e “da grande organização política”, que, segundo eles, “contribuíram para o esgotamento do regime militar”.
Quando afirmo que concordo “em parte” é porque relativizo a força das pressões do “povo interiorano”, principalmente quando se sabe dos interesses em jogo, dos políticos profissionais, por exemplo, e da influência das mais diversas agremiações partidárias com forte influência em seu eleitorado municipal, que pressionavam nos bastidores para a implantação da universidade nesses locais.
O que parece ter ocorrido, foi que a grande massa da população, impossibilitada de sentar nos bancos de uma universidade pública deu outro significado àquilo que a corporação universitária chama de “democratização da universidade”. O que ela estava desejando e demandando, na verdade, era um maior acesso ao ensino público universitário, que, mesmo com a interiorização, ainda é insuficiente, como podemos ver nessa corrida que vemos ultimamente por cursos em faculdades particulares, onde se encontra o maior contingente de alunos excluídos, por várias razões (a maior delas a falta de vagas) nas universidades públicas.
É evidente que este governo tem um projeto para o ensino público. Não temos um outro projeto disputando a hegemonia baseado em outro paradigma. Ocorreram algumas mudanças, mas em substancia ele é o mesmo traçado pela equipe do governo FHC, que pode ser sintetizado da seguinte forma:
Parte-se da constatação que as universidades brasileiras não têm vocação para a pesquisa, devendo limitar suas atividades ao ensino e à formação profissional. Nesta perspectiva, a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é, segundo a interpretação das autoridades do MEC, uma artificialidade criada pelo movimento docente, que dificulta o investimento de recursos nos verdadeiros “centros de excelência”.[7]
Tais centros, localizados nas principais universidades das regiões economicamente mais desenvolvidas, é que deve se ocupar da pesquisa e da produção de conhecimento, devendo as demais se contentar na condição de “colégios de terceiro grau”, como é hoje a imensa maioria das instituições privadas de ensino superior.
 Se assim deve ser, porque está traçado no bico dos tucanos e nas estrelas, não se trata de recuperar a universidade, superar os entraves que dificultam atualmente a execução de suas funções básicas – o ensino, pesquisa e extensão -, mas de preparar simplesmente a mão de obra para o mercado de trabalho, proporcionando-lhes o mínimo de conhecimentos para que os trabalhadores possuam a mínima chance de empregabilidade, seja no setor público, cada vez mais limitado, seja nas empresas privados, como essas que estão se instaladas na Amazônia, que precisam muito pouco de pesquisadores e cientistas (eles os têm em suas matrizes) e mais de técnicos que compreendam um pouco da planta industrial, as técnicas de operação, os conhecimento de informática e se adaptem e se “eduquem” nos sistema e modelos (deles), como nos velhos tempos coloniais, só que com um pouco mais de sofisticação.
Pensar a extensão na universidade que se interioriza significa compreender que, como proposta, ela se dá dentro desses paradigmas e nesse contexto neocolonial, o que está longe dos sonhos saint-simonianos utópicos do sociólogo e jornalista Lúcio Flávio Pinto que vê na ciência e na tecnologia, a única saída para a Amazônia[8]
O velho Marx em uma de suas obras (A Ideologia Alemã, se não estou enganado) dizia que a história não se faz segundo a nossa vontade, mas segundo as condições concretas em que nos encontramos.
 A produção científica não é exterior à luta pelo poder, mas faz parte dele. Fazer ciência no mundo de hoje e colocá-la a serviço das forças de produção em forma de tecnologia (a chamada “razão instrumental”, conforme a denominação de Habermas), não é uma decisão solitária e voluntarista, como na imagem caricaturizada por Wall Disney  com o seu inesquecível professor Pardal, mas um trabalho coletivo, fruto de decisões políticas, envolvendo vultuosos investimentos e “vontade de poder”, para usar uma linguagem nietzschiniana..
 Não vislumbro, portanto, nenhuma possibilidade da ciência, nessas circunstâncias históricas de neocolonialismo em que vivemos no Brasil e, em particular, na Amazônia. O sonho de um desenvolvimento autônomo não passa de uma utopia, um sonho quixotesco, sem base na realidade e, portanto, uma “guerra” inútil.
A “última página do Gênese” dificilmente poderá ser escrita (cientificamente) por nós, amazônicos. É só olhar o que acontece ao nosso redor. Essa “guerra” é travada em outros flancos e instrumentalizada de forma sofisticada, tanto na pesquisa como na tecnologia e com rapidez gigantesca.
 A “transformação da Amazônia” é um fato e ocorrerá com o sem nós, do jeito como vem ocorrendo. O que absorveremos é algo residual, porque esse “cientista de laboratório” não está aqui fazendo a pesquisa de base, está na Flórida, nos grandes centros de pesquisas dos Estados Unidos, em alguma parte da Europa e em outra parte do mundo.
O professor José Alcimar de Oliveira, da Universidade Federal do Amazonas, no seu livro sobre a Amazônia chamado Cultura, história e Memória, publicado pela Editora Valer em  2002, quando nos mostra a expropriação da história e da memória amazônica, processo ele denominou de barbárie. Na verdade não se trata, como ele nos mostra, da expropriação da memória somente, mas barbárie maior foi a forma colonialista como a Amazônia foi (e está)  sendo explorada, onde o trabalho escravo convive com a alta tecnologia, onde a natureza é devastada e devassada,onde o choque entre brancos e índios é freqüente, onde a apropriação ilícitas de enormes extensões de terra está sempre presente, assim com os crimes de pistolagem .Sem falar no narcotráfico.  
Fazer trabalho de extensão nessa realidade, problematizar o mundo amazônico e compreendê-lo é tarefa das universidades. É para isso que elas existem. Jogar o professor no coração das trevas, na densa floresta, sem as mínimas condições é condená-lo à morte.



[1] CARVALHO, Benedito José. O tempo da Onça não está longe daqui: da Cidade para o sertão, ou como se deslocar sem sair do lugar – um olhar nômade de Fortaleza para o sertão. Revista Anima, n. 4 juho-setembro de 2002. –Fortaleza-CE. p. 35
[2] Ver VELHO,  Otávio. in. Frentes de Expansão e Estrutura Agrária. Editora Zahar, Rio de Janeiro.
[3] Ver. PINTO, Lúcio Flávio. Guerra Amazônica, o jornalismo da linha de tiro (de grileiros, madeireiros, intelectuais, etc.&cia.) Um Entrevista Marginal, p..39. Rosani
[4] Citação feita por Filho, João Meireles. Livro de Ouro da Amazônia.Editora Ediouro, p. 144.
[5]DIAS Ana Lúcia Bentes  COELHO Maria do Socorro da C. SANTOS Fábio Augusto Fiel  in
 A Política de Interiorização da Universidade Federal do Pará no Município de Cametá - PA1
( Texto elaborado a partir da pesquisa “Interiorização da UFPA no Baixo Tocantins). Publicado na Internet.
[6] Democratizar no sentido de expandir a oferta de vagas e oferecer ensino universitários nos núcleos urbanos que não possuíam centros universitários.
[7] CARVALHO, Benedito José. In A Universidade Corre Perigo!, Jornal o Imparcial, São Luis, 21 de janeiro de 1995.
[8] PINTO, Lúcio Flávio. op. cit, p. 58-59

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