terça-feira, 14 de agosto de 2012

PARA RELEMBRAR UM PASSADO RECENTE, ESQUECIDO MUITAS VEZES


Benedito Carvalho Filho

O Regime Militar e a transição para a democracia nesse país durou 20 anos, uma das ditaduras mais longas da América Latina (1964-1984).
Um jornal paulista, através de um colunista da grande imprensa, afirmou que a ditadura brasileira foi branda. Isso é compreensível, pois esse jornalista que trabalha nesse jornal apoiou essa mesma ditadura. Mas não esquecemos, como alguns desejam, que a ditabranda não foi nada branda, principalmente para aqueles que passaram por torturas, mortes e perderam seus direitos políticos. O esquecimento é o desejo de quem quer apagar e denegar o que aconteceu num passado não tão distante.
Para os jovens daquela época as seqüelas foram imensas e para os jovens contemporâneos parece um acontecimento longínquo porque são raros os que têm conhecimento dos “tempos de chumbo”.
Os que estão envelhecendo, principalmente os que tiveram uma participação ativa naqueles momentos sombrios, os pesadelos ainda estão presentes, principalmente os que sofreram nas masmorras das prisões e sofreram traumas das torturas que jamais esquecerão.
O golpe militar de 31 de março de 1964 veio depois num dos momentos raros de ascensão daqueles que o saudoso Florestan Fernandes denominou “os de baixo”, ou seja, as classes populares, os sem voz, provindos da escravidão colonial, dos domínios dos senhores das terras, das senzalas da Casa Grande. Um povo que várias vezes se revoltou e foi derrotado, pois nos raros momentos em que surgia na cena política apareciam os militares e seus golpistas e calavam sua voz.. Assim é a América Latina, o continente dos golpes, da repressão, da violência e da exploração.
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Para os jovens daquela época as seqüelas foram imensas e para os jovens contemporâneos parece um acontecimento longínquo porque são raros os que têm conhecimento dos “tempos de chumbo”.
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Esse golpe, segundo a versão dos militares e da burguesia que o apoiaram, veio para livrar o país da corrupção (o velho pretexto da corrupção (dos seus adversários, claro) que – não por acaso –, retorna hoje na sociedade brasileira, capitaneada pela mídia e por essa mesma burguesia).
Mas não é somente a corrupção que ela usa com pretexto golpista. O fantasma do comunismo foi outro pretexto para o golpe. Suas elites, apoiadas pelas fardas, imaginavam uma América Latina submissa aos interesses do imperialismo ianque. Por isso que não mediram esforços (militares e econômicos) para, em plena Guerra Fria, conspirarem.
Hoje se sabe pelos documentos revelados pelo governo Norte Americano que suas forças armadas estavam mais do que dispostas a invadir a costa a nação brasileira caso houvesse resistência de Goulard ao Golpe Militar de 1964..
A desordem ou baderna que os militares alardeavam naquela época significava o povo exercendo a cidadania, desejando mudanças de base, como a reforma agrária, a reforma universitária, a distribuição mais equitativa da renda, o direto de participar e se organizar, criar seus partidos, ter uma melhor educação e tantos outros direitos já conquistados em outros países onde ocorreu a revolução burguesa. No entanto, os velhos udenistas golpistas – representantes de parcelas das elites empresariais e agrárias, redivivos nesses nossos tempos - conspiravam (e continuam conspirando) junto com eles
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O golpe militar de 31 de março de 1964 veio depois num dos momentos raros de ascensão daqueles que o saudoso Florestan Fernandes denominou “os de baixo”, ou seja, as classes populares, os sem voz, provindos da escravidão colonial, dos domínios dos senhores das terras, das senzalas da Casa Grande.
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Para os militares qualquer indício de participação popular significava comunismo. Mas sabemos que isso era uma mera cortina de fumaça para manter os “quintais” (mercados) do imperialismo sob controle, usando as elites locais como testa de ferro para exercer o poder e manter os seus negócios.
Os estudantes tiveram um papel relevante no período Goulard. Foram os mais visados pela repressão. No dia 1º de abril a sede da UNE (União Nacional dos Estudantes), localizada na Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, foi invadida e incendiada. A repressão correu solta. Os estudantes passaram a atuar na clandestinidade.
A universidade, onde ocorriam frequentes debates sobre política e cultura, ficou na mira da repressão. A Universidade de Brasília, criada por Darcy Ribeiro e outros intelectuais brasileiros, sofreu brutal repressão. Professores, estudantes e funcionários foram espancados e presos e alguns desaparecidos porque faziam críticas ao sistema, exigindo reformas profundas. 
No Nordeste, onde imperava (e até hoje impera) o latifúndio, a repressão também foi grande e atingiu duramente as chamadas Ligas Camponesas, que começavam a se organizar em sindicatos e resistir à opressão dos latifundiários, as oligarquias locais. O método de alfabetização Paulo Freire, como sua pedagogia do oprimido e a educação para a liberdade, desenvolvia na época um vasto programa de educação de base, apoiado pelo governador Miguel Arraes,, onde os trabalhadores rurais aprendiam não só a ler, mas também se conscientizar sobre suas condições de vida. Isso era intolerável para as elites locais, que viam comunismo em toda parte e não hesitaram naquele clima golpista em chamar a repressão.
Nos centros urbanos (e não esquecer que uma grande parcela da população vivia no campo nessa época) os sindicatos e federação de trabalhadores sofreram intervenções e muitos líderes sindicais foram presos.
No Congresso Nacional cinqüenta parlamentares tiveram os seus direitos cassados. Mais de 1.400 pessoas foram afastadas da burocracia civil. Eram visadas principalmente as pessoas que haviam se destacado em posições nacionalistas e de esquerda. O clima de delação corria solto e o medo foi se instalando no país.
Em junho de 1964, o regime militar começou a se equipar em termos de inteligência à repressão. Criou o chamado Serviço Nacional de Informação (SNI), sob o comando do general Golbery do Couto e Silva, um dos estrategistas do golpe.
Em 1965, foram extintos os partidos políticos e criadas novas agremiações: a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) e o MDB ( Movimento Democrático Brasileiro).
O cenário ao longo dos anos foi ficando cada vez mais tenso e dramático principalmente depois da promulgação do Ato Institucional nº 5 (o AI-5), quando ocorreu uma revolução dentro da contra-revolução.
A partir daí o núcleo duro militar no poder concentrou-se na chamada “comunidade de informações”. Recomeçou então um novo ciclo de cassações de mandatos, só que desta vez mais dramático. Muitos cidadãos perderam seus direitos políticos, abrangendo lideranças parlamentares, sindicalistas, professores universitários e tantos outros. A censura passou a ser permanente, tanto nos órgão informativos, jornais, revistas e outros meios de comunicação, como no mundo das artes, onde peças teatrais eram proibidas. Enfim, começou um clima exacerbado de terror e perseguições.

Estudantes protestam nas ruas: a conjuntura de 1968 e suas diversas leituras

Em 1968 as mobilizações ganharam ímpeto. O estudante Edson Luís, que almoçava no restaurante do Calabouço, na Praia do Flamengo, foi morto pela Polícia Militar no Rio de Janeiro. A indignação de uma grande parcela da população foi para as  ruas, desencadeando um movimento de massa: a conhecida passeata dos 100 mil realizada na Av. Rio Branco, no Rio de Janeiro.
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O cenário ao longo dos anos foi ficando cada vez mais tenso e dramático principalmente depois da promulgação do Ato Institucional nº 5 (o AI-5), quando ocorreu uma revolução dentro da contra-revolução.
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Logo depois explodem as greves de Contagem, perto de Belo-Horizonte, e Osasco, na Grande São Paulo, que contou com a participação de trabalhadores e estudantes, que ocuparam uma fábrica chamada Cobrasma. Isso era intolerável para o regime autoritário. Rapidamente o Ministério do Trabalho interveio no Sindicato dos Metalúgico. Um pesado aparato militar emprega a violência, prende as lideranças das comissões de fábrica e faz a desocupação da fábrica.
Segundo os analistas, a greve de Osasco sofreu a influência de grupos de esquerda que tinham assumido a perspectiva de que a luta armada poria fim ao regime militar. Uma forte influência cubana e o surgimento de guerrilhas em vários países da América Latina (Guatemala, Colômbia, Venezuela e Peru) surgiram na região.
Havia diversas leituras divergentes sobre a conjuntura naquele momento por parte dos grupos de esquerda. A direção central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), logo depois do Golpe Militar, fez sua autocrítica e passou a condenar a luta armada. Porém, sua posição não foi unânime. Alguns dirigentes que antes pertenciam ao Partido, como Carlos Marighela, foram para a Aliança Nacional Libertadora (ALN). Apolônio de Carvalho foi para o Partido Comunista Revolucionário (PCBR).
O centro da crítica estava voltado para o que se chamava “etapismo”. Uma estratégia que prega a revolução por etapas, pois a leitura que certo agrupamento político fazia da conjuntura afirmavam que o país ainda apresentava uma estrutura econômica, política e social com fortes traços feudais e era necessário fazer alianças com a burguesia nacional para fazer a revolução liberal, burguesa, e só depois chegar ao socialismo. Esse era o modelo soviético da Terceira Internacional Comunista.
Para os dissidentes, a estratégia do PCB (Partido Comunista Brasileiro) facilitava a implantação da ditadura, pois subordinava o movimento operário aos acordos de cúpula com as lideranças populistas. A burguesia dependia de sua associação com a agricultura de exportação – diziam eles – e com o capitalismo internacional, não havendo por parte do empresariado qualquer inclinação para ruptura com as classes dominantes. Ainda, segundo eles, o populismo radical de Goulard representava a aspiração de um segmento minoritário e mais atrasado da burguesia nacional. Um sinal disso reforçava o argumento dessa posição: a ausência de resistência do Golpe Militar de 1964.
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Havia diversas leituras divergentes sobre a conjuntura naquele momento por parte dos grupos de esquerda. A direção central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), logo depois do Golpe Militar, fez sua autocrítica e passou a condenar a luta armada
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Em 1965 e 1967 amplia-se no Brasil o número de dissidências na esquerda. O espectro é grande e merece ser estudado com mais detalhe. Vários agrupamentos políticos tinham raízes internacionais. Isso não era, no entanto, um fenômeno somente brasileiro. No Brasil, desde 1930, movimentos trotskistas dão origem a partidos rivais do PCB, como a Liga Comunista Internacionalista ou o Partido Leninista.
Com o surgimento de novos partidos comunistas, que, às vezes, não aceitam as mudanças de rumo da política soviética, as dissidências proliferam. No início dos anos de 1960, além do PCB e do Partido Operário Revolucionário Trotskista (PCRT), havia o Partido Comunista do Brasil (PC do B) – o primeiro de inspiração chinesas e depois albanesa -, a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (POLOP) e, por fim, a Ação Popular (AP), moderada, pelo menos em sua fase inicial, e vinculada ao meio conhecido como catolicismo progressista.
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A oposição legal deixa de ser aceita. Nesse período pregou-se o voto nulo nas eleições de 1970, quando se renovaram dois terços das cadeiras do Senado. A ARENA alcançou ampla vitória.
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Foi em meio dessas leituras de conjunturas e nesse espectro de agrupamento, com suas inúmeras matizes, que surgiu a proposta de luta armada, que tinham uma leitura comum da realidade brasileira naquele momento.
Partia-se do pressuposto de que a ditadura não duraria muito pela própria lógica do capitalismo naquele momento. Ou seja, o capitalismo brasileiro estaria numa fase de estagnação. A não realização das reformas de base era um indicador dessa estagnação. Acreditava-se que as classes dominantes dependiam de um governo ditatorial para continuar existindo. Por isso a luta pelo retorno da democracia era em vão. Portanto, era a luta pelo socialismo, via luta armada, ou nada.

O regime endurece: um período sombrio é anunciado

Uma violenta repressão se abateu sob a sociedade brasileira, principalmente depois dos anos 70, quando assume Emílio Garrastazu Médici e seu vice presidente, Augusto Rademaker. Um período sombrio começa ser anunciado. A repressão toma outra configuração, desta vez mais aparelhada e com um complexo serviço de inteligência. Além do SNI, criado em 1964, como vimos, passam a atuar outras organizações, como o Centro de Informações da Marinha (Cenimar), a Operação Bandeirantes (Oban) e o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) e outras.
Assim, grupos das esquerdas armadas são desbaratados e se isolam das massas, que, ao contrário do que se imaginava, apóiam o governo repressivo. A estratégia foquista, que acreditava que poder recriar aqui um novo Vietnã, é violentamente reprimida e muitos de seus quadros são torturados ou aniquilados.
O que restava – a guerrilha rural do PC do B, que começou a se instalar na região banhada pelo rio Araguaia no Pará entre os anos de 1970-1971 – foi liquidada. Em 1975 o Exército conseguiu liquidar ou prender os guerrilheiros do PC do B.
A oposição legal deixa de ser aceita. Nesse período pregou-se o voto nulo nas eleições de 1970, quando se renovaram dois terços das cadeiras do Senado. A ARENA alcançou ampla vitória.
Mas o governo Médici não se limitou à repressão. Distinguiu claramente entre um setor significativo as minorias da sociedade, adversários do regime, e a massa da população que vivia um dia-a-dia aceitável nesses anos de prosperidade econômica. A repressão se dirigiu ao primeiro grupo, enquanto a propaganda se destinou a pelo menos neutralizar o segundo.
Médici, empossado, lança em 1969, lança a campanha “Brasil, Grande Potência” e também começa a abertura da rodovia Transamazônica. A euforia é grande. A mídia alardeia o crescimento do país, o Brasil ganha a Copa de 70 e o ufanismo toma conta de uma grande parcela da sociedade brasileira.
Ao contrário das análises de conjuntura dos que faziam a leitura de que o país estava estagnado e que o capitalismo demoraria pouco tempo, se mostraram incorretas. O chamado “milagre brasileiro” (1969-73) combinou um extraordinário crescimento econômico com taxas relativamente baixas de inflação. O PIB cresceu numa média anual de 11,2%, no período, tendo seu pico em 1973, com uma variação de 13%. Aumentam os investimentos das multinacionais.

A era do “Ame-o ou Deixe-o: o “Milagre Econômico” e suas razões

O chamado “milagre brasileiro” se beneficiou, em primeiro lugar, de uma situação da economia mundial caracterizadas pela ampla disponibilidade de recursos. Os países em desenvolvimento mais avançado aproveitaram as novas oportunidades para tomar empréstimos externos. O total da dívida externa desses países, não produtores de petróleo, aumentou de menos de 40 bilhões de dólares em 1967 para 97 bilhões em 1972 e 375 bilhões em 1980.
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Ao contrário das análises de conjuntura dos que faziam a leitura de que o país estava estagnado e que o capitalismo demoraria pouco tempo, se mostraram incorretas. O chamado “milagre brasileiro” (1969-73) combinou um extraordinário crescimento econômico com taxas relativamente baixas de inflação. Aumentam os investimentos das multinacionais.
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Cresceram rapidamente e o investimento de capital estrangeiro no país. Em 1973, os ingressos de capital tinham alcançado o nível anual de US$ 4,3 bilhões, quase o dobro do nível de 1971 e mais quatro vezes o de 1970.
Os setores mais importantes foram os investimentos na indústria com taxas anuais de 30%. A ampliação de crédito ao consumidor e a revisão das normas de produção, autorizando a fabricação de carros de tamanho médio. Atraíram fortes investimentos da GM, da Ford e da Chysler.
Houve, também, uma forte expansão do comércio exterior. A importação ampliada de determinados bens era necessária para sustentar o crescimento econômico. As exportações se diversificaram com o incentivo à exportação de produtos industriais por meio de concessões de crédito em condições favoráveis, isenções ou redução de tributos e outras medidas de subsídio às exportações.
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A vida universitária mudou. O ensino universitário, que era restrito a grupos extremamente reduzido foi ampliado. Isso já vinha ocorrendo. No fim da república populista, em 1964, os estudantes que freqüentavam as Instituições de Ensino Superior (IES) públicas constituíam 56% do total. Em 1948 e 1968, o número de estudantes universitários passou de 34 mil para 258 mil. Uma mudança quantitativa importante.
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Não vamos fazer uma análise exaustiva do significado do “milagre”, mas é importante ressaltar os seguintes aspectos que exercerão forte influência nas mudanças de consciências do povo brasileiro:
1.      A distribuição da população no território brasileiro foi enorme, provocada pelas frentes de expansão e fronteiras agrícolas; 
2.      A população urbana cresceu consideravelmente. Em 1980 a maioria da população (51,5%) passará a ser urbana, em contraste com os 16% de habitantes que viviam em cidades em 1940. Essa taxa alcançou 76% em 1996;
3.      Esse crescimento propiciou o surgimento de uma classe média, diferenciada da antiga, não só quantitativamente, mas pelo nível de consumo, criando pelas possibilidades abertas pela criação do crédito ao consumidor e outra série de medidas que possibilitaram uma maior mobilidade desse setor, mesmo com toda a concentração da renda e o aumento da miséria. Uma grande parcela dessa nascente classe média apoiou o golpe;
4.      Alargaram-se as oportunidades de emprego no setor industrial e no setor hegemônico de serviços e surge uma classe operária com um perfil diferente da velha classe operária;
5.      Apesar do Estatuto da Terra, não se fez a Reforma Agrária. 

Poderia apontar outros indicadores e demonstrar que a sociedade brasileira não só não estagnou, mas se tornou mais complexa na sua estrutura de classe, na sua economia e na sua cultura. A sociedade começou a experenciar com mais intensidade a modernidade propiciada pelo capitalismo.
A vida universitária mudou. O ensino universitário, que era restrito a grupos extremamente reduzido foi ampliado. Isso já vinha ocorrendo. No fim da república populista, em 1964, os estudantes que freqüentavam as Instituições de Ensino Superior (IES) públicas constituíam 56% do total. Em 1948 e 1968, o número de estudantes universitários passou de 34 mil para 258 mil. Uma mudança quantitativa importante.
Isso explica o protagonismo do movimento estudantil nas lutas sociais dos anos 60 no Brasil, onde era reduzida a classe operária e os movimentos sociais. Não foi por acaso que a composição dos grupos revolucionários recrutados para a militância era composta de estudantes originários das camadas médias da sociedade, professores universitários, estudantes esclarecidos e com uma cultura política elevada. [1]

A ditadura começa a desmoronar: a  abertura política


Depois do chamado “milagre econômico” e um período repressivo a sociedade brasileira não era mais a mesma, como vimos anteriormente. Mas entre 1978 e 1979 aquela conjuntura que favoreceu o desenvolveu o país na era ufanista começou a entrar em crise.
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Tardiamente começa a era da chamada “abertura lenta, gradual e segura”, como a caracterizou o presidente Giesel.
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Aumentavam as pressões dos movimentos sociais e sindicais, mas a abertura não ocorreu somente por esse fator. Começa a crise do petróleo como conseqüência da chamada Guerra do Yom Kippur, movida pelos Estados Árabes contra Israel, que afetou profundamente a economia brasileira, já que 80% do consumo desse produto era importado desses países.
O país, que na era da abundância desse produto, escolheu um modelo de desenvolvimento assentado na indústria automobilística e na construção de estradas, pontes e viadutos, agora se via diante de circunstâncias muito difíceis. Era impossível continuar na rota traçada pelas políticas econômicas da era do “milagre”.
Tardiamente começa a era da chamada “abertura lenta, gradual e segura”, como a caracterizou o presidente Giesel.
Revoga-se o AI-5 e o governo suspende a censura. Novos tempos se anunciam.
O governo lança o II Plano de Desenvolvimento Nacional (PND), tendo como meta reequilibrar as finanças e combater a inflação. Já não se tratava de substituir as importações de bens de consumo, mas avançar no caminho da autonomia no terreno dos insumos básicos.
A preocupação desse Plano era com o problema energético, o programa nuclear, a substituição parcial da gasolina pelo álcool e a construção de hidrelétrica (a Itaipu, construída no rio Paraná, na fronteira do Brasil com o Paraguai passou a funcionar em 1984 –  considerada a maior usina hidrelétrica do mundo).
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Emerge um forte movimento sindical. Aumenta a sindicalização. O número de sindicatos, que em 1968 era 625, passa em 1972 para 1.745 e 2.144 em 1980.
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Aumenta, também, o número de sindicalizados rurais depois de 1973. Em 1979 eram  5,1 milhões de trabalhadores rurais sindicalizados, estimulados pela administração dos programas de previdência social dos sindicatos.
O Plano Nacional de Desenvolvimento passa a incentivar os investimentos da grande empresa privada na produção de bens de capital e a nova política colocava como centro do palco a industrialização brasileira a grande empresa estatal. Daí o grande investimento na Eletrobrás, Petrobrás, Embratel (telecomunicação) e outras empresas públicas.
Começam, por parte de setores da burguesia, especialmente de São Paulo, as críticas contra o excessivo intervencionismo do Estado.
Fatores externos, no entanto, dificultam o crescimento interno. Os investimentos internos eram insuficientes para levar à cabo essa política desejada. O governo recorre aos empréstimos externos, aumentando, assim a dívida externa, tanto pública como privada. No fim de 1978 ela era de U$ 43, 5 bilhões, mais que o dobro do nível de três anos antes.
O pagamento dos juros da dívida também passou a pesar fortemente, pois os empréstimos foram contraídos a taxas de juros flexíveis e o Brasil passou a aumentar perigosamente seu endividamento.
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Começam, por parte de setores da burguesia, especialmente de São Paulo, as críticas contra o excessivo intervencionismo do Estado.
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Mas, mesmo no meio de todas essas dificuldades, o governo Geisel apresentou números satisfatórios na economia: o PIB cresceu na média anual de 6.7%. A inflação subiu 37,9%. Porém os perigos eram muitos. A relativa contenção da inflação vinha sendo feita à custa de artifícios, entre eles a oferta de bens produzidos pelas empresas estatais a preço abaixo do custo, o que tornava essas empresas cada vez mais deficitárias. A dívida externa crescia e se renovavam os empréstimos. A indexação anual dos salários, isto é, a sua correção monetária era feita apenas de ano a ano e isso contribuía para agravar o descontentamento dos assalariados.
Foi, portanto, nesse contexto que começaram a emergir um forte movimento sindical. Aumenta a sindicalização. O número de sindicatos, que em 1968 era 625, passa em 1972 para 1.745 e 2.144 em 1980.
Aumenta, também, o número de sindicalizados rurais depois de 1973. Em 1979 eram  5,1 milhões de trabalhadores rurais sindicalizados, estimulados pela administração dos programas de previdência social dos sindicatos.
Uma série de movimentos sociais surgem no cenário político brasileiro dessa época, como o a Comissão Pastoral da Terra (CPT), os sindicatos dos trabalhadores de “colarinho branco” (bancários, professores, médicos, sanitaristas e outras categorias).
O movimento operário veio à tona no governo Geisel com novo ímpeto e nova feição, adotando formas independentes do Estado e propondo comissões de fábrica.
A grande concentração de trabalhadores no ABC paulista, onde estava as grandes fábricas de montagem das indústrias multinacionais,  foram importantes para o surgimento de um expressivo movimento operário.
Em 1978, por exemplo, existiam em São Bernardo do Campo em torno de 125 mil operários na indústria mecânico-metalúrgica, com forte predomínio da indústria automobilística; desse total 67% se concentravam em empresas com mais de mil operários. Em 1976, na capital de São Paulo, existiam no mesmo ramo industrial 421 mil operários, mas apenas 20,8% se concentravam em empresas com mais de mil operários.
Em 1979 cerca de 3,2 milhões de trabalhadores entraram em greve no país. Houve 27 paralisações de metalúrgicos, abrangendo 958 mil operários.
Em 1979 assume o poder o general João Batista de Figueiredo, ex-chefe de Gabinete de Médici e ex-chefe do Serviço Nacional de Informações no Governo Geisel.
Ocorre o segundo choque do petróleo e, como conseqüência, a elevação dos preços e o problema da balança de pagamentos. As taxas internacionais de juros continuam subindo, complicando ainda mais a situação. A obtenção de empréstimos era cada vez mais difícil e os prazos para o pagamento se estreitavam.
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O movimento operário veio à tona no governo Geisel com novo ímpeto e nova feição, adotando formas independentes do Estado e propondo comissões de fábrica.
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A economia entra pela primeira vez, desde 1947, numa recessão entre os anos de 1981-1983 e isso teve pesadas conseqüências na vida do país. O PIB de 1981 teve resultado negativo de 3,1% e os setores mais atingidos foram a indústria de bens de consumo e o capital, concentradas nas áreas mais valorizadas do país, gerando forte desemprego.
Numa situação de insolvência o Brasil recorre ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e começaram os cortes de despesas e o arrocho salarial.
Diante dessa situação precária que descrevemos acima, foi dado prosseguimento da abertura política, sob o comando do general Golbery do Couto e Silva e do Ministro da Justiça, Petrônio Portela. Em agosto de 1979, Figueiredo tirou das mãos da oposição, que vinha crescendo e tinha como uma de suas principais reivindicações a luta pela anistia.
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O PT adotava uma postura contrária ao PCB e ao culto a da União Soviética. Evitou definir-se sobre a natureza do socialismo. No seu interior havia muitas correntes opostas. De um lado, os simpatizantes da social democracia; na outra, os partidários da ditadura do proletariado.
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Mas o processo de abertura não foi tranqüilo. A linha dura militar, insatisfeita, cometeu uma série de atos criminosos que culminou com a tentativa de explodir  bombas  em um centro de convenções do Rio de Janeiro, o Rio-Centro, em abril de 1981, onde se realizava um festival de música, com a presença de milhares de jovens. Uma das bombas não chegou a ser colocada. Explodiu no interior de um carro ocupada por dois militares; um deles morreu no local e o outro ficou gravemente ferido.
O governo conduziu uma investigação que confirmou uma absurda versão dos fatos, isentando os responsáveis. O pedido de demissão de Golbery da chefia da Casa Civil, em agosto de 1981, teve a ver com a manipulação do inquérito. 

O Campo político se diversifica no novo cenário

No plano político, em dezembro de 1979, é aprovada uma nova lei de organização partidária. O MDB e a ARENA são extintos. A ARENA se transforma no Partido Democrático Social (PDS) e os dirigentes do MDB acrescentaram apenas a palavra “partido” na sua sigla e se transformou em PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro).
À medida que o regime autoritário foi se abrindo, as diferenças ideológicas e pessoais começaram a emergir.
Nesse momento discute-se nos meios de esquerda e centro esquerda a necessidade da formação de um partido de massas. Outros defendem a existência da manutenção da frente democrática. Nesse processo nasceu o Partido dos Trabalhadores (PT), que se apresenta como representante dos interesses de amplas camadas de assalariados existentes no país, com base em um programa de direitos mínimos e propondo transformações sociais que abrissem caminho para o socialismo.
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À medida que o regime autoritário foi se abrindo, as diferenças ideológicas e pessoais começaram a emergir.
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O PT adotava uma postura contrária ao PCB e ao culto a da União Soviética. Evitou definir-se sobre a natureza do socialismo. No seu interior havia muitas correntes opostas. De um lado, os simpatizantes da social democracia; na outra, os partidários da ditadura do proletariado.
No campo sindical estreitavam-se os vínculos entre o partido e o sindicalismo do ABC. Lula se destaca como a maior liderança do movimento.
Em agosto de 1981, realiza-se a Conferência Nacional da Classe Trabalhadora (Conclat) que reuniu representantes de várias tendências do sindicalismo brasileiro.
Em 1983, o sindicalismo identificado com o PT fundou a Central Única dos trabalhadores (CUT).
Em 1982, mais de 48 milhões de brasileiros foram as urnas para eleger vereadores dos estados. Vence o PDS.
Em 1983 o PT lança o movimento das Diretas-Já. Em 1984, duzentas mil pessoas vão para um enorme comício em São Paulo.
As diretas é rejeitada. Um colégio eleitoral escolhe Tancredo Neves como Presidente. Com a morte dele assume José Sarney e em fevereiro de 1986.
Em 1987, no dia 1º começa a Assembléia Nacional Constituinte, encerrada em 5 de outubro de 1988.
E temos as primeiras eleições em 1989.

 O povo brasileiro exercendo a experiência democrática depois de uma longa ditadura

Collor, o primeiro governo eleito pelo voto direto depois dos longos anos de ditadura militar, por exemplo, assumiu o governo em plena euforia neoliberal, onde o discurso da globalização era hegemônico, apoiado pelas forças da direita (incluindo, claro, a grande imprensa, escrita e televisa, como a TV Globo), prometendo varrer a corrupção e se autodenomiando o “caçador de Marajás”, num contexto onde alguns acontecimentos marcavam a história daquela época. Dentre eles a queda do Muro de Berlim.
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Collor prometia a modernização do país, que significava a abertura da economia (leia-se: para os grandes grupos do capitalismo mundial), usando metáforas como a que dizia que nossos carros pareciam carroças frente ao que é produzido no Primeiro Mundo.
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Collor, um político originário do PDS e eleitor de Paulo Maluf na eleição de 1995, é eleito por uma coligação de pequenos partidos – Partido da Reconstrução Nacional, Partido Social Cristão, Partido Social Trabalhista e Partido Renovador Trabalhista.
Concorrendo com ele estavam o PMDB (comandado por Ulysses Guimarães), Aureliano Chaves (PFL), Mário Covas (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Paulo Maluf (PDS) e Leonel Brizola.
Collor foi eleito numa grande frente dos partidos da ordem, comandado por um partido inexpressivo e acabou sendo derrubado pelas próprias elites que propiciaram sua ascensão. Seu voluntarismo e sem base de apoio ruiu quando foram revelados os bastidores, a corrupção de sua turma chamada de “República das Alagoas”. 
Collor prometia a modernização do país, que significava a abertura da economia (leia-se: para os grandes grupos do capitalismo mundial), usando metáforas como a que dizia que nossos carros pareciam carroças frente ao que é produzido no Primeiro Mundo.
 Mas explodiu a corrupção contra seu tesoureiro de campanha, o homem forte do governo e tudo acabou em impeachment, num grande movimento por entidades como a OAB, ABI, CUT e o movimento estudantil que ganhou as ruas das grandes capitais, animado pelos jovens cara-pintados cantando “Alegria, Alegria”, de Caetano Veloso.
Isso ocorreu em 29 de setembro, ou seja, 20 anos atrás, quando muitos jovens que estão na universidade hoje nem tinham nascido, ou estavam engatinhando. Mas, pelo que percebemos hoje ao escutar os alunos e alunas daqui da UFAM percebe-se que uma boa parcela, mesmo não tendo vivido esse momento, fazem referência aos estudantes daquela época, como um dos poucos sinais de rebeldia, depois de longos anos de silêncio do movimento estudantil.
O que foi a universidade no governo Collor? Qual era a conjuntura econômica, política e social naquele momento, tanto no que se refere aos nossos problemas internos como o que se passava no mundo? Que forças políticas e que atores sociais se manifestavam naquele momento?
É impossível neste reduzido espaço traçar um quadro do espectro conjuntural que marcou esse tempo. A inflação tinha chegado a 80%. Mas podemos afirmar que a universidade, o ensino superior e a educação brasileira, de uma maneira em geral, começaram a sofrer uma profunda e arrasadora devastação. O que era de certa forma  continuidade do que já vinha ocorrendo ao longo da ditadura militar.
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O que foi a universidade no governo Collor? Qual era a conjuntura econômica, política e social naquele momento, tanto no que se refere aos nossos problemas internos como o que se passava no mundo? Que forças políticas e que atores sociais se manifestavam naquele momento?
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Seus planos de governo, o Projeto Brasil Novo, o Projeto de Reconstrução Nacional e os Planos Collor I e II estavam visivelmente direcionados para várias frações da burguesia brasileira, fundamentada no ideário do chamado “Consenso de Washington”, ou seja, do projeto ortodoxo de estabilização monetária, acompanhado por um pacote de reformas estruturais ou institucionais, destinados a ajustar a economia das sociedades do continente à nova realidade mundial, criada pela hegemonia das políticas neoliberais, pelo avanço da desregulamentação financeira e pelo poder imperial americano. Ou seja, essas medidas que hoje lançaram muitos países numa crise profunda, como a que estamos vivendo nesse momento.
Esse período “collorido” deixou marcas profundas, mas serviu de ponta de lança para o que iria ocorrer mais tarde. Foram desestatizadas empresas brasileiras importantes. Todo o setor siderúrgico, por exemplo. E uma série de medidas foi tomada para conter a hiperinflação, sob a orientação, na época, da Ministra da Fazenda, Zélia Cardoso de Melo, que foram desastrosas para a classe média que viu confiscada suas poupanças (ocorrendo até casos de suicídios) e para as classes populares, de uma maneira em geral.   
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A universidade, dentro dessa perspectiva, se transformou no lugar da competitividade, onde alunos e professores estão envolvidos numa competição selvagem para publicar, sonhando atingir ranks semelhantes aos das universidades do primeiro mundo, como se isso fosse possível.
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Foi um período, também, marcado pela defensiva frente uma conjuntura de desemprego em massa, diminuído a força reivindicatória do movimento sindical e popular.
Collor não ficou muito tempo no poder, mas abriu as comportas para o que viria depois: o arrocho salarial, a demissão de funcionários públicos, a desregulamentação dos direitos historicamente conquistados pelos trabalhadores. Isso foi chamado na época de “choque de capitalismo” o que significava, na verdade, a sintonia dos interesses do grande capital financeiro com as frações da classe dominante local, profundamente conjugados com ele.
Os jovens que estão hoje na universidade pública, mesmo sem ter consciência disso, vão experimentar nesse período o efeito devastador, como: o sucateamento da universidade, que teve como desdobramento a privatização do ensino e sua perda de qualidade, tornando a educação uma mercadoria à serviço do lucro de empresas educacionais. O que é grave: gerando uma cultura individualista, onde o estudante passa a encarar a universidade como um trampolim para o chamado mercado de trabalho, apagando a consciência crítica e gerando uma violenta crise de sociabilidade, que é esse mal-estar que estamos hoje.
 A universidade, dentro dessa perspectiva, se transformou no lugar da competitividade, onde alunos e professores estão envolvidos numa competição selvagem para publicar, sonhando atingir ranks semelhantes aos das universidades do primeiro mundo, como se isso fosse possível. 
Com o impeachment do presidente Collor assume o poder Itamar Franco, antigo opositor moderado do regime militar e ex-senador pelo Estado de Minas Gerais, que conservou a lógica neoliberal de seu antecessor, apesar da aparência reformista de seu governo.
No primeiro mês de seu governo, em janeiro de 1993, a inflação já beirava os 29%, chegando a mais de 36% em dezembro daquele ano. Foi a época em que se fez mais detalhadamente a lista das privatizações, como a Cia Vale do Rio Doce, Petrobrás,  a Telebrás e suas subsidiárias, e a participação do capital estrangeiro foi ampliado de 40% para 100%.
Em relação a classe trabalhadora, que se encontrava na defensiva e desmobilizada (e também capturada pelas políticas econômicas neoliberais), o governo Itamar centralizou sua política de repressão aos movimentos sociais, em especial ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
Foi a época, também, do lançamento do Plano Real, lançado em julho de 1994, sob a condução do ministro da época, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), intelectual que transitara da vida acadêmica para a vida pública formando a aliança com o PFL (hoje denominado DEM).
Diante da inflação galopante que vinha de sucessivos governos esse plano  aumentou a popularidade do ministro, fazendo com que ele se elegesse com cerca de 54% dos votos válidos, num momento em que a população sentia do seu poder de compra corroído pela inflação. Toda a moeda do país foi trocada pelo real, em uma engenhosa operação, tanto pelo grau de organização, quanto pela receptividade da população. 
Disputando com o Fernando Henrique Cardoso estava Luís Inácio Lula da Silva (PT), que criticava ferrenhamente o Plano Real, encarando-o como um “engodo eleitoreiro” que provocaria mais tarde uma grave recessão, o que não ocorreu.
 Fernando Henrique Cardoso e Lula também, de forma diferenciada, fizeram parte de um período de abertura democrática, onde aparecia na cena política os movimentos sociais lutando por reivindicações específicas com suas reivindicações, lutando por lutas específicas, e pela criação de novos partidos que disputariam o poder com seus diversos projetos e perspectivas diferenciadas.
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Em relação a classe trabalhadora, que se encontrava na defensiva e desmobilizada (e também capturada pelas políticas econômicas neoliberais), o governo Itamar centralizou sua política de repressão aos movimentos sociais, em especial ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST).
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Ou seja, depois de 25 anos de ditadura e resistência a sociedade brasileira vem consolidando um processo de participação democrático, certamente cheio de contradições,  cuja legitimação é buscado nas urnas .
 Dilma Roussef, mesmo dando continuidade às políticas anteriores, principalmente com relação à universidade, vive sob outra conjuntura que é essa que nós estamos hoje presenciando: o fim do discurso eufórico do neoliberalismo, a crise mundial atingindo a Europa e os Estados Unidos, cujos reflexos estão estampados nos noticiários da imprensa nacional e internacional.
Percebe-se, também, a diminuição visível das privatizações que os presidentes anteriores, na euforia de abrir o mercado para o capital estrangeiro, gostariam de “torrar” e se desvencilhar com as grandes empresas brasileiras criadas na época do nacionalismo, como a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica e outras empresas, como fizeram com a Cia. Vale do Rio Doce, vendida a preço de banana na época.
Garantir a democracia e acumular forças ou ruptura? De que forma e com quem?

Não estamos num período de radicais rupturas. A sociedade brasileira, como a América Latina, encontra-se nesse processo de avanço democrático tentando consolidar, garantir e ampliar a participação política, num continente marcado por ditaduras e pelo mandonismo e despotismo de elites que, no passado, aliadas ao imperialismo ianque “prendiam e arrebentavam” as forças democráticas e populares, como aconteceu no Brasil, no Chile, na Argentina e nos demais país do continente, onde as forças de oposição foram literalmente esmagadas pela repressão militar à serviço do projeto hegemônico-burguês.
No Brasil, o que hoje presenciamos, depois de cinco eleições, é a tentativa de consolidar a democracia e acumular forças para que ela se amplie em todos os níveis. Não se trata no momento de garantir a democracia para acumular forças para um possível processo revolucionário nesse momento. O que temos que enfrentar pela frente são as fortes forças conservadoras e reacionárias que desejam (como sempre) se manter no poder político e econômico para continuar mandando e implantando políticas como tem feito no passado na América Latina e no Brasil.
A garantia desse processo se dá em várias frentes de luta. Um delas é garantir a existência de forças políticas progressistas que sejam capazes de barrar, através da democracia, as frentes conservadoras, que hoje, no Brasil (como em outros países), detém o controle social, político e ideológico.
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No Brasil, o que hoje presenciamos, depois de cinco eleições, é a tentativa de consolidar a democracia e acumular forças para que ela se amplie em todos os níveis. O que temos que enfrentar pela frente são as fortes forças conservadoras e reacionárias que desejam (como sempre) se manter no poder político e econômico para continuar mandando.
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Não podemos esquecer que a classe dominante (e não estamos fazendo analogia com a classe dominante dos países mais avançados, mas de nossa elite tupiniquim, que como dizia Raymundo Faoro, é composta dos tipos de “homens que dançam em Canapi e sonham em jantar na Casa Branca”) que ainda domina esse país e  detém enorme poder, como podemos ver na mídia, onde é detentora de cadeias de televisão, de rádio, de jornais e revistas, denominadas pelos blogueiros progressistas de PIG (Partido da Imprensa Golpista), não sem razão porque esses jornalões e canais de televisão gostem ou não, possuem um forte poder de influenciar mentes e corações, através das distorções de informações e propaganda subliminares por onde são passadas as ideologias da ordem como se fossem “verdades”.
Não podemos relevar, portanto, a longa tradição golpista de nossas classes dominantes, que, sempre, nos momentos de crise (ou melhor, nos momentos em que sentem que perderam o controle da economia e vêem-se ameaçadas pelos movimentos populares) recorrem aos quartéis e não tem o pudor de estabelecer o terror, como o que vivemos no passado recente.
Quem não se lembra dos acontecimentos que antecederam o golpe de 1964, quando as massas populares, as ligas camponesas, os sindicatos e os estudantes, através da UNE (União Nacional dos Estudantes) e tantos outros setores da sociedade que naquele momento se organizaram e foram às ruas e alargaram a participação democrática? Enquanto isso, a burguesia, aliada à burguesia ianque, sempre conspirando e dando apoio ao golpe militar, tramavam e acabou no que todo mundo sabe (ou deveria saber). Essa tradição golpista, para quem acompanha os acontecimentos na imprensa do PIG e nos blogs alternativos se mantém ativa e dominante no nosso cotidiano e faz a cabeça de muita gente, principalmente a maioria despolitizada que acaba servindo de massa de manobra dessa gente.
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Não podemos relevar, portanto, a longa tradição golpista de nossas classes dominantes, que, sempre, nos momentos de crise recorrem aos quartéis e não tem o pudor de estabelecer o terror, como o que vivemos no passado recente.
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Ainda sobre a necessidade de ampliar a participação democrática é preciso reconhecer que as grandes massas da população brasileira, apesar de ter votado nessas cinco eleições passadas, escolhendo Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso (duas vezes), Lula (duas vezes) não vem exercendo a cidadania na sua plenitude. Ao contrário do período de resistência à ditadura, onde era forte a presença dos movimentos sociais e sindicais, onde o Partido dos Trabalhadores foi gestado, o que temos hoje é um refluxo desses movimentos, com algumas exceções, como o caso do Movimento dos Sem Terra (MST). Não se percebe nos bairros, nas fábricas e nem mesmo na universidade, onde a rebeldia era visível, uma presença mais afirmativa e forte e as razões disso devem ser analisadas quando se pretende incorporar esses setores no processo democrático.
Por exemplo, é grande a dificuldade na atual conjuntura de aglutinar pessoas e isso deve ser analisado com cautelas, sob risco não compreendermos o que a massa está dizendo, o que as pessoas estão pensando e que análises estão fazendo da realidade em que estão vivendo.
Para a grande massa dos estudantes, que estão sempre de passagem na universidade, e que hoje estão na casa dos 20 e poucos anos e que vivem num mundo radicalmente diferente dos mais velhos, o que significa a luta por uma universidade pública e gratuita? De que forma estão se organizando hoje e qual a diferença do passado? Como percebem a sociedade em que estão vivendo? Como desenvolver um trabalho político de esclarecimento junto a eles?
Um pergunta de uma aluna sentada ao meu lado na assembléia me fez pensar mais ainda: “Será que vai ter greve?” Sua preocupação era legítima, mas parecia estar preocupada porque uma greve no meio do semestre poderia atrapalhar o término de seu curso. Assim devem pensar muitos alunos da UFAM, como muitos setores da sociedade nesse momento conjuntural da sociedade brasileira, onde o recuo dos movimentos sociais, com exceções de alguns, são visíveis.

Estamos na era de reforma x revolução? 

Não é possível compreender o pano de fundo que está por trás de todas as propostas de educação sem compreendermos as formas como o capitalismo tem se manifestado na sociedade brasileira nas várias conjunturas.
O falecido sociólogo brasileiro, chamado Florestan Fernandes, que todos os alunos de Ciências Sociais conhecem, escreveu um livro seminal e imprescindível para compreendermos o papel da universidade no contexto do capitalismo monopolista contemporâneo, quando demonstrou que a educação brasileira nasceu com a marca de um intocável privilégio social, cuja democratização começava e terminava nas fronteiras da burguesia, com o capitalismo monopolista. A ampliação do acesso à educação passou a ser uma exigência do capital, seja de qualificação da força de trabalho para o atendimento das alterações produtivas, seja para difusão da concepção de mundo burguesa, sob a imagem de uma imagem inclusiva. Momento em que se configura a possibilidade de um “colonialismo educacional (in. Fernandes, F. A revolução burguesa no Brasil. Ensaios e interpretações sociológicas. 2ª Ediçaõ: Zahar, 1975)
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Um pergunta de uma aluna sentada ao meu lado na assembléia me fez pensar mais ainda: “Será que vai ter greve?” Sua preocupação era legítima, mas parecia estar preocupada porque uma greve no meio do semestre poderia atrapalhar o término de seu curso. Assim devem pensar muitos alunos da UFAM.
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Em debate travado na década de 60, no calor dos embates sobre o futuro da democracia brasileira e da necessidade da reforma universitária (portanto, antes do golpe) Florestan mostrava que a “universidade integrada e multinacional” só poderia se desenvolver plenamente com a ruptura com o padrão dependente de desenvolvimento, que indicaria a ruptura com o padrão dependente de ensino superior.
Nesta época, onde se discutia acaloradamente as razões de nosso subdesenvolvimento e nossa dependência, Florestan Fernandes não via a possibilidade de se desenvolver o país sem um rompimento com esse padrão dependente de ensino superior, o que só seria possível, segundo ele, com um projeto socialista, onde se criaria novas formas de sociabilidade e não esse que vemos hoje, marcada pela concorrência e pelo mercado.
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É preciso não perder o rumo, nem abrir mão dos ideais de desejar uma sociedade mais justa, solidária, democrática, socialista (mas que socialismo?), mas saber, como dizia Marx, que uma revolução não acontece quando queremos, no vapt, vupt, como dizia o Chico Anísio, mas quando a situação está madura, como na metáfora do parto alegoricamente apontado pelo grande timoneiro, mesmo com todas suas errâncias, também.
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A questão era “reforma ou revolução.” Mas a burguesia e o Estado sob seu comando venceram e tomaram para si a tarefa de conduzir o processo dentro dos parâmetros da ordem (capitalista, é claro), por ele denominada de “reforma universitária consentida”, corrompendo a imagem da reforma universitária pela quais amplos setores vinham lutando, “moldando-a à sua imagem e semelhança”.
Essa “reforma universitária consentida”, “moldada” pela burguesia começou adquirir visibilidade, segundo Florestan, a partir da formação de um grupo de trabalho (GT) composto pelo então ministro da Educação, Tarso Dutra, e por diversos educadores com o propósito de elaborar um anteprojeto de lei da reforma universitária.
No seu livro chamado Universidade Brasileira: reforma ou revolução, publicado pela editora Alfa Ômega em 1975, Florestan faz um diagnóstico da situação da educação superior, mostrando a sua aparência democratizante, na medida em que o governo militar convidou intelectuais da área de educação para a elaboração. Em alguns momentos de seu texto, ironizou os redatores que ajudaram escrever o plano: um eficiente “expediente literário”, ou “verbalismo crítico esclarecido” (p.108).
Ou seja, o que o sociólogo mostra neste livro - que todos deveriam ler para melhor conhecer as lutas travadas na universidade brasileira, como mostra Kátia Lima no seu livro Contra-reforma na educação superior (de FHC a Lula, Editora Xamã), é a disputa de projetos antagônicos de educação, onde esse intelectual, identificado com a defesa intransigente de uma educação laica, financiada e implementada e coordenado pelo Estado, desenvolvesse políticas onde esse mesmo Estado alocasse verbas públicas exclusivamente para a educação pública, o que é radicalmente o contrário do que faz hoje (75% dos alunos universitários estão nas instituições privadas de ensino superior).
Também possibilitasse o acesso à educação pública e gratuita em todos os níveis. Enfim, o que se queria era uma ruptura com o capitalismo dependente. Como conclui Lima: “Estes são os princípios que orientam uma reformulação da educação superior, sob a condução dos trabalhadores e dos filhos dos trabalhadores brasileiros, e reafirmam a bandeira histórica de luta construída pelo Fórum Nacional em Defesa da educação pública: educação pública e gratuita, direito de todos e dever do Estado.”
Como podemos perceber foi essa análise que determinou e marcam (como até hoje marca) as lutas do conjunto dos trabalhadores e suas organizações sindicais (apesar de não todas, porque algumas fazem outra análise e optam por outros caminhos).
Não podemos deixar de perceber também que essas formulações surgiram numa conjuntura muito diferente da atual, onde, como é possível perceber no próprio título do livro de Florestan a questão era, na época, reforma ou revolução. Na verdade, foi um projeto vencido, pois a burguesia, para utilizar a linguagem do sociólogo, conseguiu (e vem conseguindo) implementar  a denominada de “reforma universitária consentida”, que é essa que temos diante de nós, que – diríamos – é mais do que consentida e está simbioticamente entrelaçada com os interesses do grande capital.
Nesse momento que estamos vivendo é possível pensar que estamos na encruzilhada “reforma ou revolução”?
É preciso não perder o rumo, nem abrir mão dos ideais de desejar uma sociedade mais justa, solidária, democrática, socialista (mas que socialismo?), mas saber, como dizia Marx, que uma revolução não acontece quando queremos, no vapt, vupt, como dizia o Chico Anísio, mas quando a situação está madura, como na metáfora do parto alegoricamente apontado pelo grande timoneiro, mesmo com todas suas errâncias, também.
O debate está aberto.













[1] Segundo informações de Priori, 80% dos processos que correram na Justiça Militar era contra pessoas que pertenciam a esse segmento. 80% do Movimento de Libertação de Libertação Nacional, 55% do Comando de Libertação Nacional (Colina). (Ver Da Guerrilha à abertura, in “Uma breve história do Brasil”, de Mary de Priori e Renato Venâncio, Editora Paneta, 2010, SP).

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