terça-feira, 14 de agosto de 2012

POR QUE A CIDADE DE MANAUS NÃO É A CIDADE MAIS APRAZÍVEL DO PAÍS?


Benedito Carvalho Filho

O professor José Seráfico, aposentado da Universidade Federal do Amazonas, escreveu uma crônica sintética num jornal da cidade sobre a distribuição da renda no Amazonas, em especial, na cidade de Manaus, onde reside.
Entre outras coisas, ele afirmou que, com o valor que é arrecadado em impostos, o PIB amazonense seria capaz de tornar essa cidade da Amazônia uma das mais para aprazíveis do Brasil. Manaus, com esse imenso recurso resolveria imensos problemas, mas, segundo ele, isso não acontece por causa dos políticos que estão pouco preocupados com a melhoria das condições da população. Ou seja, Manaus sofre de má gestão.
Na mesma semana em que foi publicado o seu artigo - na verdade um comentário sobre a pesquisa encomendada pela Rede Calderaro de Comunicação (RCC) à Action Pesquisas de Mercado (veja bem, pesquisa de mercado!), quando foi realizada uma enquete nos dias 13 e 14 deste mês (abril) com 600 pessoas nas seis zonas da cidade - a revista Carta Capital, de São Paulo, edição de 25 de abril de 2012, publicou um artigo do jornalista Rodrigo Martins intitulado O Milagre do Crescimento: o Brasil Arcaico que ainda solta aos olhos, apesar do crescimento.
Na abertura da matéria uma longa reportagem e uma foto enorme de uma senhora chamada Maria da Silva, moradora da periferia de Manaus, olhando para um imenso igarapé poluído, na União da Vitória, mas que poderia ser qualquer um desses imensos igarapés onde a população joga lixo e outros dejetos.
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“Vira e mexe as crianças estão mal. No início de março mesmo, meu filho de 14 anos pegou uma e não saia do banheiro. O povo de União de \Vitória já está acostumado”.
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Lembrei da cidade aprazível que Manaus poderia se tornar no sonho do Dr. Seráfico e fui à busca de respostas a pergunta dele. Por que isso não acontece?
O que li na reportagem do jornalista paulista é assustador.
“A falta de saneamento básico é um problema crônico no Brasil. Mais da metade dos domicílios não têm acesso à rede de esgoto, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no Atlas do Saneamento 2011.
 Pior: apenas 19% das residências têm o esgoto tratado. De acordo com estudo, que fez um diagnóstico da situação do país em 2008, 54,3% dos lares não tinha coleta adequada.
A única região onde mais da metade dos domicílios tem acesso à rede é o Sudeste, com 68,9%. Em todas as outras, a cobertura é inferior a um terço das habitações. Na Região Norte, a média é de 3,5%”.
Ou seja, é aí e nessa situação que vive a Maria da Silva, de Manaus. Não é por menos que na “pesquisa de mercado” encomendada pela Rede Calderaro de Comunicação (RCC) à Action Pesquisas de Mercado os itens de demanda mais indicados pelos moradores da cidade sejam: saneamento (13,1%); água (14,21%); saúde (13,61%). (veja o quadro abaixo).
Não é por menos que a reivindicação que a dona Maria da Silva, de 43 anos, que sofre de diarréia, nos mostra a relação entre esses três itens.
Diz ela na reportagem à revista Carta Capital:
“Vira e mexe as crianças estão mal. No início de março mesmo, meu filho de 14 anos pegou uma e não saia do banheiro. O povo de União de \Vitória já está acostumado”.
Diz o repórter:
“Como a coleta do lixo é precária, os detritos se acumulam em meio ao matagal que brota da rua asfaltada. Nenhuma das casas tem acesso à rede coletora de esgoto, que por sinal só atende 10,8% da população na capital do Amazonas.”
Diz dona Maria da Silva suplicando o seu direito à cidade:
“Já chamei rádio, tevê, conversei com vereadores, mas nada se resolve. Estamos abandonados. Diarréia é de menos. Com muita água empoçada, a malária e a dengue pega (sic) muita gente na região.”
A reportagem da revista aqui citada foi feita na cidade de Manaus, assim como a “pesquisa de mercado”. Podemos imaginar o que ocorre no interior do Estado, onde, a maioria dos lugares falta tudo e o abandono é muito maior.
É verdade, como reconhece o repórter, que “o Brasil conseguiu alguns avanços. O número de domicílios conectados à rede de esgoto cresceu de 33,5 para 45,7% em oito anos. Os governos e as concessionárias de serviços investiram mais de 7,5 bilhões de reais, em 2010, entre 3,9 bilhões, em 2003.”
Mas a pergunta é a seguinte: como e sob que controle (federal e estadual) estão sendo realizadas essas obras em infraestrutura?
Qual a participação dos cidadãos amazonenses na aplicação dos investimentos em infraestrutura, que, na verdade, estão sendo pagos pelo povo que paga imposto?
Quem decide quando e como aplicá-los?
Ora, num estado como o Amazonas onde impera o desvio de dinheiro público, um Estado comandado por cleptomaníacos, essas verbas não são canalizadas para resolver os problemas das Marias da Silva que no seu dia a dia enfrentam doenças provocadas pela péssima habitação, a falta de saneamento e tantas outras mazelas que a modernidade, desde o século XIX já resolveu e ainda são vividas por nós latino-americanos, comandados por um oligarquia perversa e egoísta que só se preocupa como que pode arrancar do Estado, como estamos cansados de saber.
A pesquisa de mercado não foi feita somente para alertar os detentores do poder sobre esse mal-estar nem para desenvolver políticas racionais para amenizar essa situação esdrúxula e indecente que temos diante de nós. É, em última hipótese, para saber o mercado em potencial para as empreiteiras, nesse momento de olho nos investimentos do PAC, o Programa de Aceleração de Crescimento do governo Dilma.
Não podemos esquecer que até os anos 80 do século passado, todo o setor de saneamento era estatal (empresas federais, estaduais e municipais), e, a partir da década de 60, capitaneadas pelo BNH.
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Qual a participação dos cidadãos amazonenses na aplicação dos investimentos em infraestrutura, que, na verdade, estão sendo pagos pelo povo que paga imposto?
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 Paulatinamente este setor se abriu para as empresas privadas, através das empresas de coleta e tratamento de lixo, da privatização de algumas empresas de fornecimento de água e  criação de empresas ambientais (tratamento de água, tratamento de resíduos etc.), o que ocorreu durante todos os anos 90.
Nos anos 2000, o setor já mostrava uma vitalidade maior, plantada quase que totalmente no Sul e Sudeste. A ação das associações de classe (ABES – Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, aberta para profissionais e empresas; associação das empresas de saneamento) começou a disseminar uma legislação específica, nas três esferas de governo: coleta de lixo, captação e qualidade da água, etc.
Na última eleição presidencial, conseguiu um compromisso nas duas plataformas principais (Serra e Dilma) de reduzir a zero o déficit de fornecimento de água tratada no país. Essa redução seria possível via bancos de desenvolvimento.
No início do governo Dilma, elas montaram uma ofensiva nacional para mobilizar orçamentos públicos – PAC, orçamentos estaduais e municipais – para obras de saneamento e, ao mesmo tempo, assumir sistemas sanitários que se mostrassem economicamente viáveis (abastecimento de água e coleta/processamento de lixo).
Essa ofensiva envolve mídia (uma equipe de reportagem percorreu o Brasil, com o objetivo exclusivo de construir pautas para imprensa, principalmente televisão), pressão sobre os poderes executivos nas três esferas, e sobre os legislativos, neste último caso, para a formulação de leis que regulam normas federais ou viabilizam iniciativas locais.
A partir daí, criou-se o que os jornalistas chamam de onda: matérias/denúncias na imprensa, que geram debates, que geram artigos, que geram às vezes manifestações, que geram iniciativas legislativas ou executivas; tudo reflui e começa de novo.
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Paulatinamente este setor se abriu para as empresas privadas, através das empresas de coleta e tratamento de lixo, da privatização de algumas empresas de fornecimento de água e  criação de empresas ambientais (tratamento de água, tratamento de resíduos etc.), o que ocorreu durante todos os anos 90.
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Isso revela que as empresas sabem muito bem o mercado que têm. Elas não criam ondas midiáticas para prestação de serviço, por exemplo, no Norte e no Nordeste porque a pobreza da população não lhes permite rentabilidade operacional suficiente; então concentram esforços para obras de infraestrutura, que começam e terminam num prazo de tempo determinado e, depois, o Estado terá que sustentar o déficit operacional (como está acontecendo com o abastecimento de água aqui em Manaus); e sobre as prefeituras, oferecendo-lhes apenas o serviço de coleta de lixo.
No caso dos investimentos do PAC, é isso que ocorre: a verba do PAC é destinada a um sistema de abastecimento de água, por exemplo; licita-se, constrói-se e depois repassa-se tudo para a prefeitura que raramente terá condições de operar satisfatoriamente o sistema; ou, então, para uma companhia estadual de saneamento, 100% estatal, que opera no vermelho desde que nasceu, porque não pode cobrar o preço da água e nem suspender o fornecimento indiscriminadamente, e não tem margem de recursos para investimento e manutenção.
A mais poderosa companhia de saneamento brasileira, a Sabesp, é uma empresa de economia mista, com ações nas bolsas de valores. Na sua planilha de receita operacional, a venda de água a varejo supera em apenas 20% a venda de serviços de esgoto e, ambas, são 80% da receita. É São Paulo – o povo paga, a empresa funciona. O mesmo modelo não funciona no Pará ou no Amazonas, porque as empresas operam com alta inadimplência (30% a 40%) simplesmente porque a população não tem como pagar.
ONDE NÃO FALTAM VERBAS
Por que não faltam verbas para obras como os que são realizadas no bairro de Ponta Negra, agora passando por um processo chamado de gentrificação, revitalização, como dizem os tecnocratas?
Atualmente, na cidade de Manaus, morar no bairro de Ponta Negra, , é um símbolo de status, uma distinção, porque é um bairro nobre, segundo a expressão dos moradores da cidade, dando a entender que existem os bairros não nobres, onde moram os não aquinhoados, os pobres, os que moram nas invasões, os territórios distantes, sem infra-estrutura e muitas outras carências.
Por que, professor Seráfico, a prioridade dos investimentos essão voltadas para construção de obra faraônica como a ponte sobre o Rio Negro que custou bilhões de reais, que liga nada ao nada e está gerando neste momento uma imensa especulação imobiliária, como se pode ver nos anúncios classificados do jornais locais e do país?
O que temos de questionar e pesquisar é essa lógica da ocupação urbana.
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Atualmente, na cidade de Manaus, morar no bairro de Ponta Negra, , é um símbolo de status, uma distinção, porque é um bairro nobre, segundo a expressão dos moradores da cidade, dando a entender que existem os bairros não nobres, onde moram os não aquinhoados, os pobres, os que moram nas invasões, os territórios distantes, sem infra-estrutura e muitas outras carências.
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Isso já foi ressaltado por vários estudiosos das cidades brasileiras: o Estado investe em obras de infraestrutura, como a construção de vias públicas, a eletrificação e outros serviços, valorizando as áreas que antes eram carentes desses serviços.  Posteriormente chegam as incorporadoras e construtoras com seus grandes projetos imobiliários, inflacionando o preço da terra e expulsando em seguida (direta e indiretamente) os antigos moradores para áreas distantes e sem serviço público.
Esse tem sido o modelo de desenvolvimento urbano adotado pelo governo brasileiro e pelo poder constituído ao longo da história.
Portanto, não é como sugere o presidente da ADIB, que na reportagem da revista Carta Capital aqui citada diz que “é preciso melhorar a regulamentação do setor, de forma a obrigar as concessionárias e empresas públicas a garantir a qualidade dos serviços e o cumprimento dos cronogramas. Nem basta, como ele sugere, a “criar um sistema informatizado que permita um acompanhamento mais adequado dos investimentos”, nem “as parcerias públicas privadas.”
No Brasil, principalmente onde a velha oligarquia manda e desmanda, falar em parceria pública e privada significa deixar a raposa tomar conta do  galinheiro.
A questão, como diz o sociólogo Antônio David Catani, da Universidade Federal do Rio Grande so Sul, em seu livro Riqueza e Desigualdade na América Latina é mais profunda:
“A grandeza de uma nação não é medida pelo volume de recursos naturais extraídos ou pela quantidade de riqueza socialmente produzida, mas pela justa repartição de forma a assegurar o bem comum”.
O economista Antônio Dias Leite, afirma na mesma revista:
“A riqueza tem que ser expressa pelas condições de vida da população. Um país pode ser capaz de realizar grande produção de bens e serviços e não ser rico. É o caso em que nós estamos. Crescemos no total do que produzimos, mas não nos tornamos um país rico no sentido de que a população está num nível aceitável de Bem-Estar-Social.”
É o caso da nossa Zona Franca. O Estado do Amazonas pode arrecadar um volume imenso de dinheiro através dos impostos, mas, como deseja o professor Seráfico, isso não se traduz em bem-estar para o seu povo, como mostram as donas Marias dessa imensa região.
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No Brasil, principalmente onde a velha oligarquia manda e desmanda, falar em parceria pública e privada significa deixar a raposa tomar conta do galinheiro.
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A modernidade do século XIX não chegou aqui nesse enclave, que engorda as receitas públicas, mas sabe que o filé do que as empresas aqui produzem vai para fora; vai servir de investimentos na bolsa de valores, para a especulação monetária e imobiliária.
Na verdade, estamos vivendo, como afirmou a socióloga da USP, Cibele Rizek, quando esteve aqui em Manaus, na Universidade Federal do Amazonas, no segundo semestre de 2011 “está havendo uma alteração dos novos modos de integração que vão completamente à contramão do horizonte da velha integração latino-americana e da brasileira pensada pelo assalariamento”.
“O horizonte de integração das populações pobres pelo assalariamento – analisa a socióloga - desapareceu nos dias de hoje. Nós não falamos em trabalhadores, nem classes trabalhadoras, mas em pobres.   Essa categoria passa a assumir outro sentido. Portanto, as dimensões de integrações são novas.
Há, também, uma dimensão fortemente protagônica do mercado e dos novos padrões de consumo.  Sobretudo, no caso brasileiro, a explosão dessa categoria um tanto absurda que nós e a imprensa começamos a chamar de classe C.
 Essa suposta classe média baixa que foi homogeneizada por novos padrões de consumo. Isso por um lado.
Por outro, temos um padrão de consumo que embaralha e embota fortemente a percepção das desigualdades.  Temos, portanto, limites fluídos, dobras, poros entre situações de formalidade e informalidade, tanto do ponto de vista da situação de trabalho como do ponto de vista de situações urbanas.
 Temos legalidades e ilegalismos, uma forte indefinição de atores e personagens e novas relações entre Estado e mercado.
Isso está conformando um conjunto de deslizamentos, embaralhamentos, que às vezes dificultam pensar as cidades modernas.
 Por exemplo, a cidade fordista, ou a cidade fabril.  Esses contextos, por exemplo, de bairros fabris, centralizados por fábricas desapareceram na conformação das periferias cidades atuais.
 Claro que ainda existem, mas não há mais a centralidade da dimensão fabril no cotidiano da organização do espaço e da vida.  Portanto, alguns eixos de reflexão acabam se tornando muito desafiadores.”
Compreender como ocorrem as novas dimensões da pobreza é fundamental para compreendermos o que está acontecendo ao nosso redor. É não confundir consumo com um bem-estar aparente, onde uma dona Maria pode ter uma Bolsa Família e conviver num lugar infecto, cheio de riscos de doenças, como é freqüente no Amazonas, o estado brasileiro que possui um dos piores IDH do país (sobre isso ver Catarse 8, aonde debato com a professora da USP ao transcrever sua palestra aqui na UFAM).
Como se percebe as raízes das desigualdades sociais aqui em Manaus e em toda a Amazônia tem causas muito complexas e terrenas e dificilmente serão superáveis dentro desse modelo de desenvolvimento., Como um velho conhecedor dessa cidade, o professor Seráfico sabe muito bem. 
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É não confundir consumo com um bem-estar aparente, onde uma dona Maria pode ter uma Bolsa Família e conviver num lugar infecto, cheio de riscos de doenças, como é freqüente no Amazonas, o estado brasileiro que possuí um dos piores IDH do país
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