terça-feira, 14 de agosto de 2012

AS NOSSAS CIDADES E SEUS TERRITÓRIOS DE POBREZA

AS NOSSAS CIDADES E SEUS TERRITÓRIOS DE POBREZA

No período de 23 a 25 de novembro de 2011, no Auditório Rio Negro (ICHL da UFAM), sob o patrocínio do Laboratório Pan-Amazônico (LAPADIS), do Departamento de Antropologia (DAN) e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) foi realizado o seminário internacional denominado Cidades, Fronteiras e Mobilidade Humana.
Foram três dias de discussão sobre temas importantíssimos e contou com a presença de participantes da Colômbia, Brasil, Espanha (Sevilha) e Uruguay.
Dentre os conferencistas participaram o professor Manoel Rodrigues e a professora Cibele Salibe Rizek,[1] do IAU-USP, que fizeram nas suas conferências reflexões importantes sobre o tema Cidade(s) e Empresariamento do Urbano: aspecto de sua produção sócioespacial.
No número 8 deste jornal transcrevemos e editamos a conferência da Professora Cibele Salibe Rizek, que, apesar de ter feito uma conferência polêmica e muito oportuna, não teve a oportunidade de debater com a platéia, o que foi uma perda para muitos que lá estavam.
Perda porque ela levantou questões atualíssimas que têm muito a ver com os muitos problemas que ocorrem em todos os centros urbanos brasileiros neste momento crucial de nossa história, atravessada por crises e incertezas. 
 Eis alguns deles abordados pela conferencista na tarde (atrasada) do dia 23 de novembro de 2011: as segregações sócio espaciais; a cidade, consumo e endividamento de seus cidadãos nessa época de intensa financeirização da pobreza; a relação entre as fronteiras de legalidade e ilegalidade; o papel do Estado, sem a qual não podemos entender essa dobra entre legalidade e ilegalidade; o tráfico, a pobreza e as políticas públicas; as novas formas de repressão; as teologias da prosperidade e seu papel na gestão do dinheiro público, onde, como ela diz, está em curso um processo de racionalização empresarial da pobreza como público alvo; as novas práticas culturais nas periferias e seus campos de disputas; os conflitos em torno de uma regulação da cidade e o estado de exceção com seus homens-sacers (os matáveis, de que falava Agamben).
Em uma cidade como Manaus, com seus monumentais problemas, onde a pobreza está espalhada pelos seus bairros periféricos (como podemos perceber na foto acima), não podemos prescindir de reflexões mais contextualizadas sobre a realidade. Os seus pesquisadores, intelectuais, estudantes, os que estão desenvolvendo seus conhecimentos nas universidades e centros de pesquisas, em plena Amazônia, têm um compromisso urgente e inadiável com a região e a cidade onde vive, sob pena de perder o sentido e o significado da existência dessas instituições aqui implantada. 
Em seguida, tentando dialogar com a conferencista, temos um texto do professor, doutor Benedito José de Carvalho Filho, sociólogo do Departamento de Sociologia da UFAM, editor desse jornal, chamado Novos territórios da pobreza nas cidades financeirizada: notas para um necessário debate, onde destaca pontos importantes da palestra surgidos na conferência (não debatida) e acrescenta novas questões.  
Desejamos que essa publicação contribua para um maior debate e seja mais um instrumento que possibilite a continuidade às discussões tão necessárias nesse momento de transformações das cidades em todo o mundo, em especial na América - Latina, que, desde longas eras, já vinha discutindo esses problemas, como podemos ver nos longos debates travados nas décadas de 60-70 por vários organismo nacionais e internacionais.
Se olharmos retrospectivamente, vamos observar que a maioria dos escritos sobre pobreza urbana no Brasil foi polarizada por perspectivas baseadas na economia e por categorias macrosociológicas, onde era comum associar a pobreza a atributos pessoais e comportamentos individuais, onde a palavra mais usada era marginalidade.
Em 1970, diversas análises mostravam a especificidade de nosso capitalismo periférico, do seu mercado de trabalho, caracterizado pela  informalidade, a economia submersa, como se chamava, e as grandes desigualdades no acesso às políticas públicas.  Isso, evidentemente, fez com que se acumulasse uma massa enorme conhecimentos sobre as periferias e sobre as cidades e os processos envolvidos na sua reprodução.
Qual a configuração das cidades no contexto econômico, político e social em que vivemos? Quais os novos desafios que temos pela frente nos dias de hoje em que as cidades se globalizam, nessa época de capitalismo financeiro em que todas estão envolvidas? Quais são as novas configurações da pobreza nos dias de hoje? Quem são os novos atores que disputam hoje os espaços das cidades brasileiras? Com se articulam as novas redes de sociabilidades entre jovens, adultos, mulheres e outras modalidades de articulações, com seus conflitos e contradições?
  
                                                                   O editor



Qual a configuração das cidades no contexto econômico, político e social em que vivemos? Quais os novos desafios que temos pela frente nos dias de hoje em que as cidades se globalizam, nessa época de capitalismo financeiro em que todas estão envolvidas? Quais são as novas configurações da pobreza nos dias de hoje? Quem são os novos atores que disputam hoje os espaços das cidades brasileiras? Com se articulam as novas redes de sociabilidades entre jovens, adultos, mulheres e outras modalidades de articulações, com seus conflitos e contradições?




CIDADE(S) E EMPRESARIAMENTO DO URBANO: ASPECTOS DE SUA PRODUÇÃO SÓCIOESPACIAL.
 
Cibele Salib  Rizek



Cidades e seus pontos
de inflexões

Sou professora, tenho 61 anos e vivi a militarização do Cone Sul. Sou da geração 68 que viveu esse processo e gostaria de conversar com vocês, identificar processos que transformam a América Latina, num enorme laboratório de experiências que acontecem em seus territórios. 
Nos meus trabalhos e investigações venho procurando identificar processos, como o programa Minha casa minha vida, que o Brasil exporta hoje para o continente africano.
Vou falar de um lado desse processo, ou seja, da pobreza dos países periféricos de uma perspectiva muito mais etnográfica de quem está dentro e perto ao mesmo tempo. Quer dizer, eu faço muita pesquisa etnográfica, mas eu não vou descrever a dimensão etnográfica da pesquisa, e sim falar um pouco daquilo que chamamos de pontos de inflexão, ou seja, os novos desafios para pensar e descrever as nossas cidades e seus territórios de pobreza.

AS TRANSFORMAÇÕES DAS CIDADES NA ERA DA FINANCEIRIZAÇÃO


A primeira questão é compreender o que permanece e o que vem se transformando. Mas isso não basta.  É preciso compreender o que foi radicalmente resignificado nesse contexto de transformação, ou seja, o que permanece e o que se transformou. Mas isso não basta porque o que permanece foi fortemente resignificado.
Há permanência? Sim! Por exemplo, o trabalho tal como conhecemos. Mas isso foi fortemente resignificado pelos fluxos de mercadorias, pessoas e capitais que circulam de outra forma.
Há formas de trabalho conhecidos, como sempre houve, só que tem novas significações.  Há novas segregações sócio-espaciais, como sempre houve. Só que as formas que assumem hoje têm o seu sentido fortemente alterado.
 Na verdade, essa é uma reflexão sobre a constituição e instituição de formas espaciais sob contornos do espaço de um conjunto de relações sociais econômicas e políticas, sobre os vínculos entre essas relações de sociabilidade e os processos espaciais que conformam a nossa cidade.
É um esforço para compreender, no espaço, as formas de sociabilidades e como elas conformam as nossas cidades. Portanto, esse esforço é um esforço de descrição e compreensão que nos permite pensar um pouco as cidades brasileiras como questão social hoje,
Por que essa dimensão é fundamental?
Porque, conforme podemos observar está havendo uma alteração dos novos modos de integração que vão completamente à contramão do horizonte da velha integração latino-americana e da brasileira pensada pelo assalariamento.
O horizonte de integração das populações pobres pelo assalariamento desapareceu nos dias de hoje.  Nós não falamos em trabalhadores, nem classes trabalhadoras, mas em pobres.   Essa categoria passa a assumir outro sentido. Portanto, as dimensões de integrações são novas.

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Há novas segregações sócio-espaciais, como sempre houve, só que as formas que assumem hoje têm seu sentido fortemente alterado.


Há, também, uma dimensão fortemente protagônica do mercado e dos novos padrões de consumo.  Sobretudo, no caso brasileiro, a explosão dessa categoria um tanto absurda que nós e a imprensa começamos a chamar de classe C.
 Essa suposta classe média baixa que foi homogeneizada por novos padrões de consumo. Isso por um lado.
Por outro, temos um padrão de consumo que embaralha e embota fortemente a percepção das desigualdades.  Temos, portanto, limites fluídos, dobras, poros entre situações de formalidade e informalidade, tanto do ponto de vista da situação de trabalho como do ponto de vista de situações urbanas.
 Temos legalidades e ilegalismos, uma forte indefinição de atores e personagens e novas relações entre Estado e mercado.
Isso está conformando um conjunto de deslizamentos, embaralhamentos, que às vezes dificultam pensar as cidades modernas.
 Por exemplo, a cidade fordista, ou a cidade fabril.  Esses contextos, por exemplo, de bairros fabris, centralizados por fábricas desapareceram na conformação das periferias cidades atuais.
 Claro que ainda existem, mas não há mais a centralidade da dimensão fabril no cotidiano da organização do espaço e da vida.  Portanto, alguns eixos de reflexão acabam se tornando muito desafiadores.

Cidade, consumo, endividamento e financeirização da pobreza

Por exemplo: como estamos pensando e conhecendo as desigualdades sociais, espaciais de nossas cidades, sobretudo diante desse consumo que traz uma característica nova: o endividamento?
Tem-se um padrão de consumo que aumentou porque a pobreza diminuiu?  Mas se houve um padrão de consumo que aumentou exponencialmente, houve um padrão de consumo que aumentou o endividamento das pessoas, o que nos permite pensar num processo novo no Brasil e na América Latino: a financeirização da pobreza.
A pobreza foi financeirizada.  As pessoas pedem empréstimos, usam cartão de crédito, pagam juros, consomem na Casa Bahia e Magazines Luizas da vida de forma absolutamente homogênea.

A pobreza foi
As tênues fronteiras entre legalidade e ilegalidade

  A outra dimensão são os vários processos de especulação, e, com isso, as fronteiras de legalidade e ilegalidade desses processos de especulação. Não é óbvio que os condomínios fechados sejam legais. Eles também estão nas fronteiras e nas dobras entre legalidade e ilegalidade.
A própria ação do Estado não é necessariamente legal. As formas de corrupção, os vínculos entre ilegalidades, formas de Estado e valorização são sistêmicos.
Não dá para entender as formas de ação do Estado sob a cidade se a gente não entender essa dobra entre legalidade e ilegalidade.
Os mercados de proteção são mercadorias políticas. A generalização das concepções mercantis, em contraponto à lógica dos direitos, que, de certa forma, perpassaram o imaginário dos movimentos sociais nos anos 80 mudaram.  Essas generalizações das relações mercantis vêm sendo fortemente investida na idéia de empresariamento,empreendedorismo de si

Não é óbvio que os condomínios fechados sejam legais. Eles também estão nas fronteiras e nas dobras entre legalidade e ilegalidade

Na verdade, quando se examina de perto os dados sobre a queda da pobreza no Brasil , se verifica uma queda da pobreza, sim, mas essa queda é mais importante do que a queda das desigualdades sociais.  Ou seja, a pobreza diminuiu, mas, por outro lado, a riqueza aumentou. Temos uma desigualdade que cai menos do que cai a pobreza brasileira. 
Do ponto de vista desse embaralhamento dos circuitos legais e ilegais, legítimos e ilegítimos, nos percebemos uma nova fisionomia dos bairros populares, porque há uma espécie de mobilidade lateral de um canto para outro.
Eu posso ilustrar isso com uma história de campoCidade Tiradentes-SP
 Eu estava trabalhando como agente de saúde na Cidade Tiradentes numa sexta-feira à tarde. E eu recomendo a vocês que não apareçam lá nas sextas-feiras à tarde, porque começam a explodir rojões.
Eu me perguntei: por que esses rojões? O que está acontecendo?
E fui saber que os rojões significavam um sinal de aviso porque nesses dias é o dia da polícia recolher a parte dela no tráfico. Isso tem um nome na Cidade Tiradentes denominado bate coxinha. É o dia do bate coxinha , ou seja, o baile, é o dia que se bate coxa.
           

TRÁFICO, POBREZA E O ESTADO


Não há os dispositivos do tráfico e os dispositivos da pobreza, o que há é uma articulação territorial entre essas duas dimensões.
 Isso é novo, porque se a gente volta para o contexto dos anos 80, podíamos perceber que havia uma separação muito clara entre trabalhador e bandido, alguma liminaridade entre trabalhador e malandro. Bandido, não.
Essa mobilidade lateral, essa dobra entre legalidade e ilegalidade é nova nos territórios da ilegalidade da periferia brasileira.
Isso vai conformando, então, outra presença do Estado. Não é verdade que a periferia é periferia porque o Estado está ausente. O Estado está presente, mas de outra maneira.
E, além dessas dimensões que eu já dimensionei, o Estado está presente através de um conjunto enorme de programas sociais de diferentes formatos, de novos equipamentos, de novas formas de gestão e acomodação da pobreza, devidamente modulada, matizada, contabilizada, fragmentada em públicos alvos. Para cada pedaço da pobreza um programa. Para o protagonismo juvenil, um programa; para as mulheres, outro programa; para as crianças, outro programa; para os idosos, outro programa. E assim, fragmenta-se, modula-se a pobreza através desses programas e seus mecanismos de gestão e acomodação.

Não é verdade que a periferia é periferia porque o Estado está ausente. O Estado está presente, mas de outra maneira.

A questão é: como descrever, como armar narrativas que nos permitam ler e descrever esses novos elementos, essas novas ancoragens. Ou seja, que permitam compreender os novos vínculos entre os processos sócio-econômicos e políticos em constituição nesses territórios urbanos.
Eu não tenho resposta, mas é uma questão que se coloca fortemente quando tenho que enfrentar uma questão dessa natureza.
Isso quer dizer, no mínimo, que existem novas configurações do território da pobreza e as fortes modulações entre centro e periferia. Ou seja, a gramática clássica entre centro e periferia explodiu. Não só porque os condomínios estão na periferia, mas porque as formas das desigualdades mudaram, assim deve mudar a nossa maneira de ver e compreender as desigualdades nos territórios da pobreza.


GESTÃO, PACIFICAÇÃO E REPRESSÃO À POBREZA
  
A outra questão que eu acho importante de levantar é o vínculo estruturante entre gestão, pacificação e repressão conjugadas.
Isso fica absolutamente claro, por exemplo, nas formas mais extrema de pobreza, como a população de rua. Os programas voltados para as populações de rua são programas que criminalizam e militarizam a questão do atendimento da população de rua. Assim como há um vínculo estruturante entre acomodação, pacificação e militarização.
O que preocupa e chama muita atenção é que essas formas de militarização urbanas passam a ser crescentemente legítimas. Elas são legitimadas pelo discurso mediático, uma suposta classe média aplaude a ocupação das favelas do Rio, por exemplo. Imagina-se que o hasteamento da bandeira brasileira realmente significa integração desses territórios na cidade.  
Eu vou dar outro exemplo de acoplamento.
Se, no Rio de Janeiro a militarização é ostensivamente espetacularizada, em São Paulo a militarização é silenciosa.
Em São Paulo nós temos das 31 subprefeituras, 28 ocupadas pela Polícia Militar, por coronéis da PM aposentados. Nós temos uma coisa chamada Operação Delegada que tem como contrapartida um programa chamado Pico Legal, em que se paga para policiais militares muito mais do que eles ganham por hora no seu emprego regular para fazer a fiscalização urbana das supostas irregularidade na cidade.
A Prefeitura do Estado de São Paulo (diz, ou melhor, escreveu) que, de fato, a segurança em São Paulo vai muito bem. Dizem: nós conseguimos expulsar os sem-terra do centro, descer o cacete nos camelôs e, mais recentemente, desocupar a reitoria da USP.
O que chama atenção é esse vínculo entre programas sociais e a militarização do atendimento e repressão, forças repressivas.

AS TEOLOGIAS DA PROSPERIDADE E O EMPREENDORISMO DE SI E A RACIONALIZAÇÃO EMPRESARIAL DA POBREZA

Isso está fortemente vinculado e não desvinculado. Isso se conjuga no cotidiano da cidade. E temos junto com tudo isso, o que eu chamo de teologias da prosperidade levadas a cabo pelas igrejas pentecostais, sem as quais não é possível compreender as favelas cariocas e as periferias paulistas.
Essas teologias da prosperidade alimentam – e são alimentadas – pelos ideários do empreendedorismo, ou seja, do empreendedorismo de si.  Elas são fortes operadoras dos programas de combate à pobreza e de suas articulações e mediações.
Por exemplo: a gente tem os programas das bolsas (Bolsa Família, Bolsa Escola, etc.) tanto do Governo Federal, Estadual e Municipal. Para que isso chegue à população há um conjunto de operadores que são os Centros de Assistência Social do Estado e as Organizações não Governamentais (ONGs), OCIPs, vinculadas às Igrejas.
Uma parcela, portanto, desse dinheiro fica nesse colchão de entidades, de tal maneira que é impossível compreender o funcionamento das bolsas de combate à pobreza sem entender esses novos operadores. O que, para mim, pelo menos, esclareceu muito facilmente porque a Rede Record de Televisão é tão fanaticamente a favor do Governo Lula e Dilma. Eles são parte desse processo. Eu nunca tinha entendido isso direito, quando eu descobri fiquei muito satisfeita porque fazia sentido.
  Temos aqui, então, OCIPs, ONGs, Estado, programas sociais, que se desdobram em programas culturais de todos os tipos. E aí temos um transbordamento e um desenho de limites borrados entre todas essas conformações.
  A partir daí é o que eu estou tentando enxergar os novos campos de força: militarização, mediações morais, despolitização da pobreza, produção de dados que nunca são inocentes, produção de um conhecimento sobre a pobreza que se acopla nessa produção de políticas que vai gerir e acomodar essas populações.
Trata-se de um conhecimento sobre a pobreza moralizado, condicionalizado, racionalizado. Ou seja, há um processo de racionalização empresarial da pobreza como público alvo; pobreza gerida racionalmente e empresarialmente, o que envolve os pobres na produção e no combate de sua própria situação.
 O número de agentes que são pobres é enorme. Você põe os pobres para cuidar dos pobres.
No contraponto, temos novos conflitos, novas formas de sociabilidade em constituição. 
É preciso pensar de que forma isso ativa, aciona, constitui novos dispositivos de hierarquização e de fragmentação. Ou seja, novos deslizamentos e novas recomposiçãões.

AS NOVAS PRÁTICAS CULTURAIS NAS CIDADES: OS CONFLITOS EM TORNO DE SUA REGULAÇÃO E CAMPOS DE DISPUTAS

O último elemento que eu acho importante mencionar aqui é repensar as novas práticas culturais e artísticas das periferias das cidades brasileiras. Essas práticas são fortemente estimuladas por programas, incentivos, novas formas de expressões pelas favelas e periferias.
Por outro lado, elas têm se desenvolvido através de novas formas de sociabilidade que são os coletivos. Explodem coletivos de tudo: de grafites, de dança, de hip-hop, de teatro e de tudo que se pode imaginar.
E cada um desses campos se constitui variados campos de disputas em que as representações, as formas pelas quais as populações se vêem e vêem o mundo estão em conflito. É muito interessante ver uma forma padronizada, financiada e devidamente domesticada de expressão, porque as fundações empresariais, sobretudo, com monte de corais, quinhentas orquestras, quatrocentos e cinqüenta grupos constituídas por essas fundações empresariais com dinheiro público.
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 Explodem coletivos de tudo: de grafites, de dança, de hip-hop, de teatro e de tudo que se pode imaginar.
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 Por outro lado, coletivos que disputam passo a passo o que se entende hoje por cultura, por sociabilidade, por periferia, de que maneira eles se representam e querem ser representados pela cidade e pela sociedade brasileira. 
Mas há ai um eixo interessante de conflitos, que mela, que tende a quebrar a convergência das concepções advindas das fundações patronais e das associações populares, que vão, então, buscar autonomia nas suas próprias formas de expressão.
Há, também, disputas e conflitos em torno de uma regulação da cidade. De que maneira tudo isso ativa, aciona, constitui novos dispositivos de hierarquização e fragmentação, novos deslizamentos e novas recomposições?
Por exemplo: os saberes cotidianos, os saberes das mulheres, das redes de sociabilidade. Isso tudo está em disputa. O que vai dar tudo isso, não sei, mas ai a gente pode encontrar novos campos de forças.
Dessa perspectiva, esses são alguns desafios que nos permitem pensar para além desse brutal investimento empresarial na periferia da cidade, para além das operações da limpeza urbana, que estão associadas à lógica dos enclaves que negam a cidade.


A Escola de Chicago nos ensinou, nos anos 20, que as cidades são laboratórios onde se experimentam as dimensões dos programas mundiais e os saberes locais que utilizam trabalhos sociais, trabalhos voluntários, onde se desenvolvem, também, novos experimentos de redução da pobreza, novos protagonismos, para além daqueles oficiais. Práticas que se contrapõem às dimensões morais e higienizadoras de uma cidade que se aproxima dos estados de exceções.



PEQUENO VOCABULÁRIO USADO PELA AUTORA


Militarização do Cone Sul : A militarização do Cone Sul a que se refere a autora veio junto com as ditaduras militares na América Latina. Era uma espécie de “internacional da repressão”, onde ocorria uma integração e ação conjunta entre os organismos de segurança no combate aos oposicionistas seja no Chile, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Chamava-se “Operação Condor”.   A abertura de arquivos dos porões das ditaduras revelou como ocorria uma integração e ação conjunta entre os organismos de segurança no combate às lutas populares. As "Conferências Bilaterais de Inteligência" entre oficiais e torturadores de vários países ditatoriais eram realizadas com freqüência. Hoje se sabe, por exemplo, que o consórcio brasileiro-paraguaio de Itaipu além de gerar energia elétrica para os dois países, produzia informes sobre oposicionistas na região. Assim esquerdistas brasileiros foram eliminados no Uruguai; oposicionistas argentinos foram torturados no Brasil; estudantes paraguaios foram presos no Chile. Pairam dúvidas, inclusive, sobre a natureza das mortes de dois ex-presidentes do Brasil: João Goulart e Juscelino Kubitschek.

Programa Minha Casa, Minha Vida: É um programa do Governo Federal, em parceria com Estados, municípios, empresas e movimentos sociais que pretende construir 2 milhões de casas e apartamentos para a população.

Segregação sócio-espaciais: É uma forma de limitar o espaço ou o acesso a pessoas determinadas, em função de suas condições sociais. Por exemplo: construir condomínios fechados e não permitir que pessoas de outras classes sociais por ali circulem, principalmente as pessoas pobres. Também, segregar um grande número de pessoas nas periferias das grandes cidades ou obstruir seu tráfego delas nas áreas consideradas nobres dos centros urbanos. 

Financeirização: A autora, quando usa esse termo está se referindo à vigência da plutocracia cosmopolita, à dominação dos mercados financeiros, com sua imensa massa de dinheiro volátil, cujo objetivo primordial é a rentabilidade imediata através de transações com papéis. Isso surgiu nas últimas décadas do século XX como um novo modo de definir, gerir e realizar riquezas no capitalismo. Desenvolveu-se um novo regime de acumulação do capital, denominado regime de acumulação sob a dominância do capital financeiro; ou ainda, denominado por Harvey, regime de acumulação flexível. A elevação estrutural da financeirização como o novo espírito do capitalismo tardio tende a promover o império universal do dinheiro, com impactos significativos no plano sociocultural. Impõem-se, cada vez mais, como um traço da sociabilidade capitalista, a lógica usurária, as regras do “capitalismo-cassino”.
Operação Delegada: A Operação Delegada, de São Paulo, a que se refere a conferencista, foi criada, segundo seus idealizadores, como proposta para melhorar a segurança nas 39 cidades que integram o Parlamento Metropolitano. O projeto, segundo seus idealizadores, foi implantado nas 31 subprefeituras da cidade, e tem a pretensão “de criar um vínculo com os moradores da região buscando soluções para os problemas comuns”.
Pico Legal: São policiais aposentados que são pagos para fazer a fiscalização na cidade de São Paulo. Hoje as rondas e patrulhamento estão exclusivamente com a força tática da Polícia Militar. Os Policiais Militares da cidade de Picos também participaram da manifestação intitulada “Polícia Legal”, deflagrada através das associações militares em todo o Estado.

Teologias da prosperidade: “A chamada “teologia da prosperidade” parte do princípio de que todos são filhos do Rei (Deus, Jesus) e que, portanto, recebem os benefícios desta filiação em forma de riqueza, livramento de acidentes e catástrofes, ausência de doenças, ausência  de  problemas,    posições  de  destaque,  etc.  Esta   “teologia” oferece fórmulas para fazer o dinheiro render mais,  evitar-se acidentes,  livrar-se de  doenças e problemas,  aumentar as propriedades, além de viver uma vida sem dificuldades. A teologia da prosperidade sustenta que nenhum filho de Deus pode adoecer ou sofrer, pois isso seria uma clara demonstração de ausência de fé e, por outro lado, da presença do diabo. Ao mesmo tempo, eles chegam ao exagero de declarar que quem morre antes de 70 anos é uma prova de incredulidade, imaturidade espiritual ou pecado”. (Texto retirado da Carta Pastoral sobre  a Teologia da Prosperidade, da Igreja Metodista Nacional)
OCIPS (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público) é um título fornecido pelo Ministério da Justiça do Brasil, cuja finalidade é facilitar o aparecimento de parcerias e convênios com todos os níveis de governo e órgãos públicos (federal, estadual e municipal) e permite que doações realizadas por empresas possam ser descontadas no imposto de rendaOSCIPs são ONGs criadas por iniciativa privada, que obtêm um certificado emitido pelo poder público federal ao comprovar o cumprimento de certos requisitos, especialmente aqueles derivados de normas de transparência administrativas. Em contrapartida, podem celebrar com o poder público os chamados termos de parceria, que são uma alternativa  aos convênios para ter maior agilidade e razoabilidade em prestar contas.
Uma ONG (Organização Não-Governamental) é uma OSCIP, no sentido representativo da sociedade, mas OSCIP trata de uma qualificação dada pelo Ministério da Justiça no Brasil.
Escola de Chicago: Surgiu nos Estados Unidos, na década de 1910, por iniciativa de sociólogos americanos, professores do Departamento de Sociologia da Universidade de Chicago e teve um papel relevante na história da criminologia, ao trazer a questão da desorganização social, e da ecologia criminal (arquitetura criminal). Essa escola foi responsável por um estudo mais detalhado a respeito de fenômenos sociais que ocorriam na parte urbana das metrópoles, devido ao aumento na imigração para o Centro e Sul dos Estados Unidos. Houve um aumento populacional na cidade de Chicago de forma repentina, porém a cidade não estava preparada para receber todas essas pessoas, ou seja, não havia estrutura para manter o mesmo padrão de vida existente na cidade. Devido a isso, a cidade de Chicago começou a enfrentar uma seqüência de problemas sociais urbanos, como por exemplo, crescimento da criminalidade, aumento da delinqüência juvenil, aparecimento de gangues de marginais, bolsões de pobreza e desemprego, e a formação de comunidades segregadas.Todos esses problemas passaram a ser objeto de estudo de vários sociólogos, que pretendiam, a partir desse acontecimento, elaborar novas teorias e conceitos a respeito dos fenômenos sociais. Além disso, buscavam elaborar métodos para solução e controle desses problemas. Essa escola prega que há que se ter um profundo interesse pelo problema social que é o delito, e que para se estudar o delinqüente deve se levar em consideração seu contexto histórico, já que na vida em sociedade sempre haverá o crime. O conceito de ecologia humana (que pressupõe a concepção integrada do homem com o meio ambiente) e a concepção ecológica da sociedade foram muito influenciados pelas abordagens teóricas do "evolucionismo social" - marcante na sociologia em seu estágio inicial de desenvolvimento -, ao sustentarem uma analogia entre os mundos vegetal e animal, de um lado, e o meio social integrado pelos seres humanos, neste caso, a cidade, de outro.
Os sociólogos, ao considerarem a cidade como amplo e complexo “laboratório social”, utilizavam o método empírico para coleta de dados e informações sobre a forma de vida em ambientes urbanos.

Cidade fabril, cidade fordista: A conferencista se refere à passagem da economia industrial para a economia de serviços, onde o novo dinamismo da produção de riquezas não depende mais da indústria, mas dos serviços, como o sistema bancário internacional financeirizado, os seguros, as telecomunicações, a rede hoteleira etc. Tudo isso implica num redimensionamento do perfil do emprego e da própria cidade. A produção industrial, criadora das chamadas cidades industriais, perde o sentido. A própria arquitetura da cidade muda. As cidades são propícias ao desenvolvimento dos negócios, onde o solo urbano passa a ser atrativo para grandes investimentos, como os condomínios fechados, grandes e vultosos prédios, todos  sujeitos à especulação imobiliária.
Estado de Exceção: Expressão usada pelo filósofo e pensador político Giorgio Agamben. A  preocupação do intelectual italiano, que, em meados da década de 1990 publicou o livro  Homo Saccer  (2004), apontando para o risco de aniquilamento da “vida política” onde passa a prevalecer o estado de exceção. Ou seja, estados que se dizem democráticos adotam medidas e procedimentos judiciais e extrajudiciais de restrição aos direitos individuais de liberdade dos seus cidadãos com a desculpa de manter a ordem e a defesa nacional em face aos riscos de novos atentados, como foi o caso das medidas tomadas pelos Estados Unidos na guerra ao terror em 2005. Não é apenas em nome da defesa contra o terrorismo que fatos assim acontecem, mas  em nome de uma defesa em geral da sociedade. Vimos, no dia 1º de maio de  2005, a greve e mobilização de cerca de três milhões de imigrantes em todos os Estados Unidos exigindo o fim do projeto de lei que prevê, dentre outras coisas, a criminalização dos imigrantes ilegais e também dos cidadãos estadunidenses que porventura lhes ofereçam qualquer tipo de ajuda. No “Dia sem Imigrantes”, como ficou conhecido o episódio, os manifestantes pressionaram o governo não apenas para que desistisse desta idéia, como também de outras, como a proposta de legalização dos imigrantes condicionada a formas obrigatórias de trabalho que beiram à escravidão, e a construção de muros na fronteira com o México.
No Brasil percebem-se os mesmos procedimentos, como está acontecendo com as implantações das Unidades Policia Pacificadoras (UPPs) nas favelas do Rio de Janeiro. Policiais civis e soldados das Forças Armadas invadem favelas, passam por cima de direitos dos cidadãos, tudo, como disse autora, em nome da pacificação.
A preparação para a Copa do Mundo, a ser realizada no Brasil em 2014, é outro exemplo. Em nome desse evento, o Estado tem usado esse pretexto para passar por cima de direitos constitucionais, retirando as populações pobres de áreas consideradas nobres e transferindo para outros locais.


A preparação para a Copa do Mundo, a ser realizada no Brasil em 2014, é outro exemplo. Em nome desse evento, o Estado tem usado esse pretexto para passar por cima de direitos constitucionais, retirando as populações pobres de áreas consideradas nobres e transferindo para outros locais.



E
       
     

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