segunda-feira, 13 de agosto de 2012

PONTE PARA QUEM? A CIDADE QUE TEMOS E A QUE QUEREMOS É ESSA?

                                                         Benedito Carvalho Filho

Uma aluna do Curso de Ciências Sociais da UFAM, presente na inauguração da ponte Manaus-Iranduba, no dia 24 de outubro, exercitando o seu olhar de futura socióloga, observou um fato curioso, não previsto pela programação oficial: a ocupação da população presente na inauguração da ponte logo após o término da cerimônia.

Fonte: Blog do Zé Jorge
Para ela significou um ato simbólico que pode ter vários significados, como: o povo tomou conta de uma obra pública que foi financiada por ele. Outro significado: o povo queria conhecer essa obra monumental, olhar o vasto Rio Negro de outra perspectiva e andar sob ele, como se a travessia até Iranduba significasse uma nova possibilidade de mobilidade, principalmente para aqueles que, durante longos anos, tiveram que atravessar o rio de barcos ou balsas, enfrentando filas e outros dissabores. Afinal de contas quem levava mais de 40 minutos para atravessar o rio e percebe que a travessia agora demorará cinco minutos verá que é muita a diferença.
A construção de uma ponte com 3.595 metros de extensão, a primeira de grandes dimensões construída em solo amazônico, e a maior do Brasil em águas fluviais, demorou três anos e dez meses para ser construída, com um gasto aproximado de R$ 1,099 bilhão, que inclui a obra física, obras viárias de acesso nas duas margens (8,5 quilômetros), desapropriações e sistema de iluminação e proteção.
Esse foi um dos presentes que o povo recebeu no seu aniversário, juntamente com o anúncio da presidenta Dilma Roussef da prorrogação por 50 anos da Zona Franca de Manaus.
Para o governador do Amazonas, Omar Aziz, em entrevista à revista Metrópole, de Outubro/Novembro de 2011, nº 2, o benefício maior da ponte não está na sua obra arquitetônica, mas no desenvolvimento que vai proporcionar à região. Segundo ele, o empreendimento, além de facilitar o escoamento da produção, também vai permitir avançar em projetos de infraestrutura do Governo Estadual, com a implantação da Cidade Universitária da Universidade do Estado do Amazonas (UEA), em Iranduba, que também ganhará uma Central de Abastecimento para atender feirantes, comerciantes e produtores rurais do município e de Manacapuru e Novo Airão.Ainda anunciou que, durante seu mandato, não haverá cobrança de pedágio para a travessia de veículos na ponte.
 Trata-se de um investimento público, decidido por um governo que achou, através de estudos técnicos (ou outras razões), que a obra era prioritária e importante para a região metropolitana de Manaus. A obra está ai. Pode-se discutir o custo, os seus freqüentes aditivos, mas agora ela é  uma realidade. Sem esquecer, também, que toda verba ali investida não caiu do céu; foi com o dinheiro que o governo (federal e estadual) recolheu do povo que ela foi construída, por isso deve cobrar o prometido nos discursos.
Mas a pergunta que não poderá de ser feita é: quem, na verdade, vai se beneficiar com a ponte? Quais os impactos econômicos, sociais e políticos dessa obra nos municípios atingidos por ela?
Uma das interpretações dos técnicos do governo, citadas nos discurso de inauguração, afirmava com eloqüência que a ponte é um marco na integração da Região Metropolitana de Manaus, criada em 2007 com oito municípios amazonenses: Manaus, Careiro da Várzea, Novo Airão, Iranduba,(27 km da capital), Manacapuru, , Presidente Figueiredo e Itacoatiara, Rio Preto da Eva, além de cidades da calha do rio Purus.
Eles  reconhecem que o entorno da ponte Rio Negro sofrerá o impactos dos novos empreendimentos, previstos pelo Plano de Desenvolvimento Sustentável e Integrado na Região Metropolitana de Manaus, concluído no final de 2010, realizado pelo consórcio Vetec/Valente, sob encomenda do Governo do Amazonas e que está sob avaliação das prefeituras dos oito municípios da região.
Esse Plano prevê uma série de obras em infraestrutura e investimentos  na estrutura produtiva, conforme o perfil de cada município, como a adaptação do sistema viário metropolitano, a duplicação da Rodovia Manoel Urbano (AM-070), que liga Manacapuru a Manaquiri, que tem acesso a BR-310; e a criação de um anel viário contornando Manaus com ligações com a BR-174 e, a partir da ponte Rio Negro, com a AM-070 e a BR-319.
Ou seja, a ligação de Manaus foi concluída, mas muitas obras precisarão ser executadas, segundo as metas estabelecidas pelos técnicos do governo. Elas serão tão importantes quanto a ponte e exigirão grandes investimentos adicionais, como prevê o Plano, quando enfatiza a necessidade de investimentos em portos, aeroportos e hidrovias, equipamentos logísticos que possam assegurar o desenvolvimento dos pólos econômicos (ver revista Metrópole, citada acima).
Prevê mais, ainda: um parque metropolitano destinado ao desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis e de pesquisa, com a construção de uma estação ecológica e um parque de exposições e feiras, numa área de 10 quilômetros na orla municipal, à jusante da ponte sobre o Rio Negro; a construção de condomínios residenciais e resorts; a melhoria da infraestrutura como a instalação de um Distrito Industrial; a remoção da comunidade que vive no Distrito de Cacau Pirêra, em Iranduba, para conjuntos habitacionais, reestruturando a orla do município e do Porto de Cacau, construindo ali um parque metropolitano e o fomento do turismo.
A idéia, pelo menos no papel e na prancheta dos técnicos de empresas que elaboraram o projeto (diga-se de passagem, sem nenhuma participação da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e outras universidade e faculdades aqui radicadas) que deveriam, como instituições de pesquisa, serem  atores importantes nesse processo), é desenvolver o potencial econômico de cada município. Por exemplo: Novo Airão, com o fomento do pólo de artesanato; o pólo oleiro de Iranbuba, do pólo frigorífico de Careira da Várzea e o pólo pesqueiro de Manacapuru.
OS PLANOS E A REALIDADE

Se lembrarmos as grandes obras construídas no Brasil, veremos que, na prática, as coisas no mundo real não acontecem segundo a imaginação dos técnicos quando se debruçam sob as pranchetas nos seus escritórios, que, muitas vezes, estão fisicamente distantes da realidade.
Isso tem acontecido com muito mais freqüência do que se imagina. Estão ai os planos mirabolantes criados pelo Estado e pela iniciativa privada para a Amazônia, muitas vezes pensado e decididos nos prédios e gabinetes luxuosos dos tecnocratas de Brasília e da Av. Paulista. Os exemplos são inúmeros, principalmente no período da Ditadura Militar com suas obras faraônicas, dentre elas a Ponte Rio-Niterói, que enriqueceu alguns de seus artífices da burocracia estatal e empreiteiras nacionais. Alguém se lembra quanto custou a ponte Rio-Niterói? Alguém se lembra quanto custou a Transamazônica?
 Nessas grandes obras uma variante não se alterou, apesar das exceções: na maioria das vezes, os beneficiários não foram as pessoas mais pobres e carentes da população. Na verdade, a lógica de ocupação do espaço, tanto nas zonas rurais como urbanas, obedece a uma lógica perversa. O Estado investe em nome do desenvolvimento com o dinheiro público, constrói a infraestrutura, abre estradas, instala água e luz elétrica, pontes, etc. valorizando a área. É a chamada renda diferencial, responsável por inflacionar o estoque de terras, beneficiando a especulação imobiliária. E depois chega a iniciativa privada que já tinha conhecimento das obras públicas com antecipação e investe na compra de terras e outros investimentos.  
No Brasil, como em todo o mundo, é a lei do mercado que acaba ditando as regras do jogo, transformando a terra em mercadoria e isso acaba expulsando direta e indiretamente os moradores antigos de suas terras, que as vendem por um preço inferior ou são expulsos com violência.
__________________
Mas a pergunta que não poderá de ser feita é: quem, na verdade, vai se beneficiar com a ponte? Quais os impactos econômicos, sociais e políticos dessa obra nos municípios atingidos por ela?

Isso já vem acontecendo na cidade de Manaus, que segue, como na maioria dos centros urbanos brasileiros, a mesma lógica perversa, pois é sabido que no Brasil todo Plano Diretor é seguido de uma lei de zoneamento e a lei de zoneamento é lei para o mercado, e a nossa população fica fora do mercado. Na verdade, os urbanistas trabalham com o espaço fictício que encobre interesses muito concreto: o lucro. 
O que está acontecendo em Manaus é um exemplo do que vai acontecer nos municípios agora integrados pela ponte à Região Metropolitana de Manaus, que tem apenas cinco anos de existência
 Apesar do seu  Produto Interno Bruto (PIB) vir crescendo ao longo dessas décadas, a renda está extremamente concentrada na capital que nem mesmo é capaz de responder as demandas da maior parte de sua população. Só para dar um exemplo: entre 1995 e 2008 o PIB do Estado cresceu quatro vezes, a população duplicou, mas suas condições de vida não melhoraram, conforme os indicadores socioeconômicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Nesse período diminuiu o numero de famílias que possuem casa própria, enquanto aumentou a quantidade de invasões e daqueles que declararam morar de favor. A proporção de casas que possuem água encanada reduziu de 73,3% para 70,8% e a rede de esgoto passou a atender apenas 3% a mais da população em treze anos.
 Uma boa parte da cidade de Manaus é ocupada por invasões, ocupações irregulares Muitas áreas de seu perímetro urbano onde residem populações de baixa renda vêm sendo valorizadas à medida que obras públicas, como avenidas, viadutos, etc. são construídos. Em seguida vem a especulação imobiliária e a cidade se verticaliza.
Só para ter uma idéia desse fenômeno, informações mais recentes, indicam que nos últimos cinco anos, o número de edifícios comerciais e residenciais aumentou em 61% em Manaus, juntamente com o processo de verticalização da cidade.
O que está acontecendo em Manaus é um exemplo do que vai acontecer nos municípios agora integrados pela ponte à Região Metropolitana. Aqui, apesar do PIB vir crescendo ao longo dessas décadas, a renda está extremamente concentrada na capital que nem mesmo é capaz de responder as demandas da maior parte de sua população

Quem garantirá que a ocupação desses municípios que fazem parte da Região Metropolitana de Manaus não será igual ao modelo concentrador que vem predominando em Manaus, e que tem como causa uma exclusão social sem precedentes?
Quem garantirá que não ocorrerá um crescente inchaço urbano e uma favelização, como a que vem ocorrendo na cidade de Manaus, hoje com quase dois milhões de habitantes? Cidade como Iranduba não corre o risco de virar cidade dormitório?
Como impedir o crescente inchaço urbano e a violência nesses municípios?
Serão garantidos serviços de infraestrutura, como previsto no Plano  (saúde, luz elétrica, água para a população que já mora nessas novas áreas incorporadas), quando se sabe que nem aqui essas demandas  são respondidas?
Como evitar a especulação imobiliária (que certamente já começou em Iranduba e nos demais municípios, antes mesmo da construção da ponte)?

Nos discursos de inauguração, como vimos, falou-se muito em desenvolvimento sustentável. Os planos e metas estão esboçados no papel e cabe a população cobrar o que foi prometido nos festejos de aniversário da cidade
Mas a experiência e o que se sabe sobre as políticas urbanas no Brasil nas três últimas décadas não nos permite um ufanismo nem a criação de  ilusões, principalmente nessa era em que a massa, hoje concentrada nos grandes centros urbanos brasileiro. parece entusiasmada com o pão e circo que lhes são oferecidos 
A pergunta, portanto, não pode deixar de ser feita:
Que setores vão se beneficiar com a construção de grandes empreendimentos depois da construção da ponte sobre o Rio Negro?
Como um Estado que:
1. Ocupa o 1.194º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano e aparece como a segunda região do país que mais concentra a riqueza;
2. Que tem um Índice de Desenvolvimento Familiar (IDF) de 0,502;
3. Que tem sua renda extremamente concentrada em Manaus e não é capaz de responder as demandas da maior parte de sua população, conforme os indicadores socioeconômicos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),
vai expandir o desenvolvimento para os seus municípios vizinhos sem reproduzir na outra margem no Rio Negro essa mesma lógica que vem vigorando na capital, onde se confunde crescimento econômico (para poucos) com desenvolvimento, que significa melhores condições de saúde, educação, renda, transporte e saneamento para a sua população? 
Como (e quando) vai proporcionar condições de vida decentes para essas populações que se deslocarão para esses municípios, quando se sabe que em Manaus a proporção de casas que possuem água encanada reduziu de 73,3% para 70,8% e a rede de esgoto passou a atender apenas 3% a mais da população em treze anos?
Como evitar a especulação imobiliária (que certamente já começou em Iranduba e nos demais municípios, antes mesmo da construção da ponte), quando, em Manaus, ela vem se agravando?  
Só para ter uma idéia desse fenômeno, informações mais recentes, indicam que nos últimos cinco anos, o número de edifícios comerciais e residenciais aumentou em 61% em Manaus, agravando o processo de verticalização da cidade.

Que setores vão se beneficiar com a construção de grandes empreendimentos depois da construção da ponte sobre o Rio Negro

A estimativa feita com base no cadastro atual do Imposto Territorial Urbano (IPTU) da Prefeitura de Manaus indica que atualmente existem 340 edifícios. São mais 130 se comparados comparado à estimativa do ano de 2005, quando havia 210, como podemos perceber na informação abaixo: 
De acordo com pesquisa realizada em 2004, pelo geógrafo Isaque Santos, na área central de Manaus havia 133 edifícios com mais de quatro pavimentos. A pesquisa intitulada Produção e uso das terras urbanas em Manaus: a sobrevalorização do espaço verifica-se uma progressiva verticalização do espaço, como ocorre na maioria das cidades brasileira, mesmo existindo muitos espaços horizontais para a construção de casas, o mercado imobiliário opta pela tendência da verticalização da cidade. As áreas onde tem ocorrido uma veloz verticalização ocorrem nos chamados bairros nobres, como o Centro, Adrianópolis, Parque Dez e Aleixo, na zona sul, onde se concentram a maioria dos edifícios da cidade, sendo 46 edifícios com mais de seis pavimentos, dos quais 12 eram prédios residenciais. A estimativa é que Manaus tenha cerca de 320 edifícios residenciais e comerciais com 10 a 26 pavimentos, ou seja, em breve ocorrerá o mesmo que vem acontecendo em Belém e suas famosas torres, onde se encontra o edifício mais alto da Amazônia, no Bairro de Reduto, com 40 andares. Brevemente, se continuar essa tendência, Manaus, que já é uma cidade com temperatura extremamente elevada, terá que suportar suas “ilhas de calor, o que aumenta a sensação térmica nos bairros com muitos edifícios. (Ver reportagem do jornal Diário do Amazonas Número de Prédios em Manaus aumentou 61,9% em cinco anos, Domingo, 14 de março de 2010).
         Como se interioriza o desenvolvimento em condições desiguais?
Como esse modelo de desenvolvimento que vem predominando na cidade, que ampliou a sua Região Metropolitana, pretende agora melhorar as condições de vida de sua população?
 Perenizando, ou alargando o prazo da Zona Franca para mais 50 anos (como se um decreto determinasse as decisões de empresas multinacionais, sempre movidas por interesses que extrapolam as questões regionais, pois elas se deslocam para onde dá lucro e não para desenvolver as regiões onde se instalam) quando se percebe que esses enclaves existentes em Manaus têm pouco compromisso com o povo da região, e ainda recebem fartos incentivos? É isso que se chama desenvolvimento sustentável?  

ALÉM DA PERSPECTIVA DA ÓTICA DOMINANTE

Como se vê, a cidade Manaus se expande, dilata-se, aumenta sua área metropolitana, seguindo a lógica de outras cidades brasileiras e mundiais, movidas pelo paradigma da acumulação de capital da periferia globalizada e embalada pelo que Chesnais chama de mundialização do capital, que exige novas formas da divisão espacial do capital, ou seja, o trabalho é agora comandado pela oferta de capital-dinheiro, que escolhe as localizações espaciais do capital-produtivo. 

Como esse modelo de desenvolvimento que vem predominando na cidade, que ampliou a sua Região Metropolitana, pretende agora melhorar as condições de vida de sua população?


Aqui temos uma cidade movida pela Zona Franca, uma criação da Ditadura Militar que funciona, na verdade, como uma plataforma externa para a produção interna sobretudo de eletrônicos e eletro-domésticos, depois que o Estado abandonou as políticas regionais. Por isso, não se fala em planejamento da região, como na era da ditadura. A idéia de região transformou-se em mera divisões espaciais que o capital escolhe para se instalar, mesmo que de forma provisória. 
Os hoje os que estão no poder (ou trabalham para ele) pensam e planejam a cidade imaginando que estão prevendo o futuro, mas isso não depende de uma vontade racional e consciente, mas das determinações externas que não se tem controle, pois boa parte do que é substancial  é decidido é determinado nos centros de decisões das grandes empresas.
As cidades passam a ser um centro de competição global, onde estão presentes as grandes empresas multinacionais e os milionários projetos urbanos, que acabam se tornando o motor central da expansão da cidade. Dessa forma, projetos imobiliários se tornam a peça central da economia produtiva da cidade, um fim em si, justificado pela criação de empregos (mesmo que sejam pagos baixíssimos salários), pelo desenvolvimento do turismo e pelo desenvolvimento de grandes complexos culturais.
Não é sem razão que em muitas cidades brasileiras e mundiais vem se acentuando o que se chama o processo de gentrificação, (um termo que, em inglês, chama-se gentrification, criado para explicar o repovoamento de bairros desvalorizados de Londres por famílias de renda média, no início dos anos sessenta) que não é nada mais do que propostas que articulam projetos de transformações das funções, do uso e do valor do solo e que, em muitos casos, significaram a retirada de antigos moradores mais pobres para áreas mais distantes.

Manaus se expande, dilata-se, aumenta sua área metropolitana, seguindo a lógica de outras cidades brasileiras e mundiais, movidas pelo paradigma da acumulação de capital da periferia globalizada e embalada pelo que Chesnais chama de mundialização do capital, que exige novas formas da divisão espacial do capital, ou seja, o trabalho é agora comandado pela oferta de capital-dinheiro, que escolhe as localizações espaciais do capital-produtivo.


Isso vem acontecendo em grande número nas cidades brasileiras, como São Paulo, que expulsou os antigos moradores do rio Pinheiro para dar lugar ao complexo comercial onde se instalaram grande escritórios das multinacionais. No centro da mesma cidade, quando no governo Maluf os antigos moradores de alguns bairros do centro foram deslocados para o chamado Projeto Singapura ou para longínqua Cidade Tirantes, a maioria descendente de negros foram segregados num espaço depois do aeroporto de Guarulhos.
Aqui em Manaus grandes projetos chegaram (e estão chegando). Empresas estrangeiras multinacionais constroem Shoppings; o Estado acelera a construção de novas vias e a infraestutura financiada por ele próprio, e aumenta  o valor das terras,  acelerando a especulação imobiliária e expulsando os mais pobres para longe do perímetro urbano valorizado,
O caso da Ponta Negra é o exemplo desse processo de gentrificação, numa área de 18 mil metros quadrados de extensão, onde estão sendo montados um calçadão de 500 metros quadrados cobertos com pedras portuguesas em três cores, semelhante às pedras que formam o piso da Praça São Sebastião, no centro de Manaus.  Três mirantes e um anfiteatro estão em construção. Um investimento de R$ 29.085 milhões estão previstos para a construção do muro de Arrimo, Espelho D’Água, Mirante I, II e III da Praça da Marinha, Anfiteatro, escada, Praça na rotatória, canteiros de árvores e proteções, calçadas, passarelas, casa de bomba e posto de Salva Vida. Tudo isso será entregue, segundo a revista Metropóle, no final desse ano.
É esse o discurso da modernização de Manaus, onde tudo parece estar na mais perfeita ordem, quando o que ocorre é uma grande segregação social.
O que ocorre na orla do bairro de Ponta Negra é emblemático. Ali não haverá espaço para os antigos ambulantes e para a população que vinham dos distantes bairros para aproveitar a nesga de praia do Rio Negro. O comércio vai se “refinar”; se instalarão novos tipos de lojas e a tendência será o aumento maior da especulação sobre os parcos terrenos que sobraram. Se é que sobraram. O que resta – talvez – é atravessar a ponte e aproveitar o que ainda existe, e enquanto pode. Se ainda for possível.
Um dos principais centros urbanos da Amazônia precisa ser mais estudado e pesquisado. O senso comum parece acreditar que esse é o preço a ser pago pelo progresso e se conforma com o que está diante de seus olhos. Não há discussão sobre que cidade vivemos e qual a cidade que queremos. A apatia, o conformismo parece confirmar a conhecida e ironizada lazeira baré e tudo continua como antes na terra de Abrantes.     
A nossa observadora, a futura socióloga a que me referi no início desse artigo, ao ver aquela multidão de pessoas curiosas e entusiasmada atravessando a maior ponte da Amazônia, tem muito a observar e decifrar, como deve ser o trabalho de quem faz o curso de Sociologia. E manter a desconfiança epistemológica, como dizia Bourdieu, em relação aos discursos inflamados dos governantes no poder que ocultam a realidade não tão agradável aos seus ouvidos.
Aquele povo na ponte, caminhando entusiasmado sob o Rio Negro, um dia pode ter a desagradável surpresa ao descobrir que ela, por mais majestosa que seja, não foi feita para eles, como os bairros ricos da cidade.

Como um Estado que ocupa o 1.194º lugar no Índice de Desenvolvimento Humano (...) vai expandir o desenvolvimento para os seus municípios vizinhos sem reproduzir na outra margem no Rio Negro essa mesma lógica que vem vigorando na capital, onde se confunde crescimento econômico (para poucos) com desenvolvimento, que significa melhores condições de saúde, educação, renda, transporte e saneamento para a sua população?

Nenhum comentário:

Postar um comentário