domingo, 26 de agosto de 2012

DEBATE ABERTO: AFINAL O QUE FIZEMOS DE NOSSOS SONHOS?





Publico nesse blog o artigo de Jacques Gruman, editado no blog Carta Maior, e convido o leitor do Jornal Catarse para um debate. Afinal, o que fizemos com os nossos sonhos depois de termos vivido os tempos tormentosos da ditadura nesse país?
 Ainda ousamos sonhar? – pergunta o articulista abaixo?
Ainda recordo do jovem comunista do PC do B que fazia trabalho de base (como era denominado naquela época quem ia para o meio do povo tentando conscientizá-lo, palavra mágica naquele tempo) tentando sintonizar com a Rádio Tirana para saber das últimas notícias da Guerrilha do Araguaia. Também recordo de meus tempos juvenis participando nas passeatas, greves, a luta pelas diretas cantando a música de Vandré. Caminhávamos cantando e querendo viver sem razão. Quantas lembranças!
O que fizemos (e o que fizeram) com nossos sonhos e os “velhos e íntimos desejos” que de nos fala o autor abaixo? Embarcamos em que “canoa” nesses tempos de globalização? O “paraíso” se transformou em embarcar num baseado, ou nos tornarmos budistas ou evangélicos buscando a salvação individual em outro mundo menos caótico?
Ou nos entediamos assistindo os Faustões de domingo global? Ou preferimos circular tediosamente pelos corredores dos Shopings Centers apreciando Sua Majestade a mercadoria nas tardes de domingo?  
O que buscamos, afinal? O amor facebookiano? As mensagens melosas impressas no visor do meu celular me convidando para sair?  
Lembro o que, na época, era considerado como comportamento desviante, aquele comportamento tido como não convencional não aceito pelas normas impostas.
Por onde andam aqueles jovens que assustavam pais, professores e autoridades, circulando com suas calças jeans, blusões de couro, óculos escuros, topetes emplastrados com brilhantina?
Onde andam aqueles que gostavam também de ouvir e dançar ao som do rock de Elvis Presley e de ver filmes como O Selvagem (Marlon Brando), Juventude Transviada (James Dean) e o Balanço das Horas (Bill Haley) que enlouqueciam o Cine Rian, na cidade do Rio de Janeiro?
O que vejo hoje nas novas gerações é o conformismo sem paralelo. Tive um susto quando a maior emissora de TV do país, ao comentar o resultado medíocre do IDEB, o que mede a qualidade da educação brasileira, deu como exemplo a educação fornecida pelas escolas militares. A receita oferecida por um comentarista global para o sucesso: o rigor da disciplina nessas escolas, exemplo que, segundo ele, deveria ser adotado em todas as escolas do país. Ou seja, a nova geração deveria marchar uniformizada em ordem unida sob o comando do professor militarizado. O velho e falecido Michel Foucault deve ter se revirado no túmulo com esse vigiar e punir.
E o que dizer da proposta de um candidato à prefeitura da maior cidade da América Latina para combater a criminalidade: criar em cada bairro uma igreja, tentando ganhar corações e mentes dos jovens e, assim, prevenir o uso de drogas, que vem dizimando uma geração delirante. Vejam para onde foram os sonhos libertários da geração 60.
Não é por menos que o autor abaixo diz:
“Frustração no trabalho, excesso de cobrança nos estudos e falta de afeto familiar, encaixados numa sociedade extremamente hierarquizada, fazem o número de suicídios crescer todos os anos no Japão. No ano passado, 150 japoneses com menos de 30 anos cometeram suicídio. A maioria por não conseguir emprego ou julgar que não tinha bom desempenho na escola ou no trabalho. Dá para imaginar com o que sonham jovens submetidos a esse tipo de tirania corporativo-familiar”.
Só no Japão?
Aqui, o suicido é sutil. Os nossos jovens, especialmente os que desejam entrar no mercado de consumo e vivem nos grandes centros urbanos vêm se suicidando de outra forma, como nos mostra os dados alarmantes de jovens mortos pela polícia e pelo narcotráfico. Portanto, bem vindo ao deserto do real. (Benedito Carvalho Filho)


De sonhos e gerações


Jacques Gruman (Engenheiro Químico, é militante internacionalista da esquerda judaica no Rio de Janeiro) 
Das ruínas de velhos e íntimos desejos, contemplo “minha” geração. Quantos de nós ainda ousam sonhar? Quantos se limitam a reclamar? Quantos trocaram o assalto ao paraíso por um bom restaurante rodízio? Quantos se deslumbram com ilusionistas apenas para mascarar o tédio e a preguiça?
 Nada. Assim Ney Matogrosso respondeu à pergunta de Eric Nepomuceno sobre o que restara dos sonhos de sua geração. Bastante pessimista, o ex-Secos e Molhados falou do frenesi narcisista em que se travestiram os projetos libertários da geração 60.
O que, afinal, define uma geração ? Como juntar numa categoria única interesses, identidades e objetivos necessariamente fragmentados, muitos deles contraditórios? Os sonhos do artista não serão os mesmos, por exemplo, do militar e do sem terra, mesmo que tenham nascido no mesmo intervalo de tempo. Óbvio que Ney falava de seus pares, subgrupo da classe média amordaçada pela censura, que desbundou e foi viver uma utopia ruralista, nutrida por sexo-drogas-rock’n’roll, da qual não restaram sequer escombros.
Tínhamos, é verdade, um inimigo comum: a ditadura militar. Os milicos que exilavam Chico, Caetano e Gil, eram os mesmos que censuravam o Pasquim, matavam adversários políticos a rodo, colocavam tarjas negras nas genitálias que apareciam em filmes da moda (o caso da Laranja Mecânica entrou, por grotesco, para o folclore da boçalidade), baniam músicas, confundiam A Capital, de Eça de Queiroz, com O Capital, de Marx (e era cana dura para quem tinha qualquer um dos dois). Época curiosa, em que ficávamos atentos a uma leitura excitante como o Almanaque do Exército, à cata de pistas para descobrir a linha ideológica dos futuros comandantes regionais. Quem é que sabe, hoje, o nome do comandante do 1º Exército ? Pouca gente, espero. Virou cultura de Almanaque Capivarol. A unir os incomodados e oprimidos, de liberais legítimos a comunistas, um filamento de esperança pelo colapso da hegemonia da caserna e seus cúmplices civis.
Sem o guarda-chuva do inimigo comum, o mar se abre. O que fazer com a liberdade ? Essa é uma questão nada trivial. Acompanhei as notícias da lusitana Revolução dos Cravos (lindo nome), em 1974, por um velho rádio a válvula Halicrafters. Ondas curtas, chiado irritante. “Agora”, dizia um locutor emocionado, “música clássica não é mais privilégio das elites”. E toma de Mozart, Bach, Haydn. Pureza d’alma, ó pá. Os escritores, habituados a se expressar por entrelinhas, se sentiram órfãos da pressão dos censores. Estranho, não ? Havia que decifrar sonhos atolados em décadas de lama verde-oliva, sem o filtro do Grande Irmão.
Sonhar não é um exercício neutro. O inconsciente tem interferências de classe, momento histórico, heranças culturais. Frustração no trabalho, excesso de cobrança nos estudos e falta de afeto familiar, encaixados numa sociedade extremamente hierarquizada, fazem o número de suicídios crescer todos os anos no Japão. No ano passado, 150 japoneses com menos de 30 anos cometeram suicídio. A maioria por não conseguir emprego ou julgar que não tinha bom desempenho na escola ou no trabalho. Dá para imaginar com o que sonham jovens submetidos a esse tipo de tirania corporativo-familiar. O que pensar, por exemplo, dos projetos da nova geração de jovens nascidos na Mauritânia ? Poucos escapam da fome crônica da África Ocidental. Só na chamada região do Sahel, estima-se que 1,5 milhão de crianças não conseguem se alimentar adequadamente. Para essa geração, o projeto é sobreviver.
E no Brasil ? Pergunte-se a um jovem executivo o que Eric perguntou a Ney e ele responderá que o sonho de sua geração será, digamos, adquirir o Global 6000, jato de luxo produzido pela Embraer, pela bagatela de US$ 60 milhões. Ou um casamento com todos os penduricalhos. Coisa de meros US$ 1 milhão. Os multimilionários vão muito bem, obrigado, no Brasilzão. Geração tanquinho ? Girando a roleta para um despossuído, o que ele diria ? Ah, doutor, quero mesmo é que me expliquem o que é tomada e interruptor (5 milhões de domicílios brasileiros não têm acesso à energia elétrica). Se isso for pedir demais, gostaria de arrumar um jeito de sair da barriga da miséria (16,2 milhões de brasileiros, de acordo com o último censo do IBGE, encontram-se em situação de extrema pobreza, a maioria deles pardos ou negros). Geração calango?
Das ruínas de velhos e íntimos desejos, contemplo “minha” geração. Quantos de nós ainda ousam sonhar? Quantos se limitam a reclamar? Quantos trocaram o assalto ao paraíso por um bom restaurante rodízio? Quantos se deslumbram com ilusionistas apenas para mascarar o tédio e a preguiça? Não tenho respostas, mas também não cheguei ao pessimismo do setentão Matogrosso. Continuo, ranzinza e teimoso, a repetir Fernando Pessoa: Não sou nada./Nunca serei nada./Não posso querer ser nada./À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.



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