sábado, 25 de agosto de 2012

TEMPOS DE VIOLÊNCIA E A BANALIZAÇÃO DO MAL



     Benedito José de Carvalho Filho
    Texto escrito em 2008 em Belém do Pará



Nestes tempos de extrema violência no Brasil e no Pará é difícil compreender o significado dos fatos que se acumulam nas páginas policiais dos jornais das várias regiões desse país. Tudo parece indicar que estamos em uma guerra, talvez mais cruel e violenta do que as em curso em alguns países da África e do Oriente Médio. Eis alguns dados que, infelizmente, comprovam esta constatação.
 A Revisão Periódica Universal sobre direitos humanos realizada pela Organização das Nações Unidas (ONU) informa a situação dos direitos humanos no Brasil, afirmando que “a violência no Brasil, em todas as idades, aumentou na última década, transformando o assunto em um dos mais sérios desafios enfrentados pelo País.” Também enfatiza que “os homicídios de adolescentes entre 15 e 19 anos quadruplicaram na última década”. A principal causa de mortes entre brasileiros de 15 a 44 anos, a maioria é composta por jovens do sexo masculino, negros e pobres (...) Estima-se em cerca de 50 mil o número de assassinatos por ano.”
E mais: “Em relação à tortura, o relatório revela que é prática generalizada de arrancar confissões através desse meio e os juízes são tolerantes. Preferem nomeá-la de “abuso do poder””. Na lista das mazelas consta ainda que 50 milhões de cidadãos vivem na miséria e que o Brasil é um dos cinco países mais desiguais do mundo” (Revista Carta Capital, 5 de março de 2008).
Outro dado: no Brasil ocorrem 29 homicídios por cada 100 mil habitantes, enquanto no Japão há apenas 1 por cem mil habitantes (informação do Secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, Osmar Terra – Jornal O Liberal,de Belém do Pará, fevereiro de 2008)
 Em Belém, todos os dias seus habitantes entram em contato com o farto noticiário policial, informando, com sensacionalismo, os assaltos e assassinatos ocorridos cotidianamente na cidade. No Pará mais de 9 mil presidiários que lotam as celas dos presídios e delegacias, todas superlotadas, um verdadeiro barril de pólvora que de vez em quando explode nas constantes rebeliões. Os presídios e cadeias são verdadeiras escolas do crime e não, como pretende o Estado, um local de ressocialização dos indivíduos como preconiza a Lei de Execuções Penais (LEP) que, apesar de avançada, está longe da prática diária desses estabelecimentos.
 Um exemplo absurdo que chocou a opinião pública mundial ocorreu em uma cidade de 120 mil habitantes (Abaetetuba-Pará), quando uma jovem de 15 anos foi presa (por tentativa de furto) e obrigada a dividir a cela com 20 homens, durante um mês, onde foi estuprada e seviciada várias vezes. Isso só se tornou visível porque ganhou manchetes de jornais e noticiário das TVs internacionais. Quantos casos violentos como esse não ocorrem nas prisões brasileiras?.
A “espetacularização” do crime, também, ganha dimensões sensacionalistas.  A mídia trata os fatos publicando imagens degradantes e aterrorizantes, que só exacerba a violência.  Quando o acontecimento envolve pessoas de famílias conhecidas na terra, somos tomados de indignação, clamando pela pena de morte, como se fosse a última solução de uma barbárie que ajudamos, com o nosso silêncio, ocultar. Mas em pouco tempo as lembranças dos acontecimentos desvanecem-se na memória, esperando, certamente, que um novo assassinato volte a ocorrer. E, assim, a cultura do medo vai se generalizando como uma metástase, criando uma subjetividade movida pelo pânico. O espaço público, ruas, praças deixam de ser ocupadas pelos moradores da cidade, gerando o individualismo defensivo.
No meio à guerra disseminada aparecem os “salvadores da sociedade”: os grupos de extermínios, os que decidem fazer justiça com suas próprias mãos. O “ovo da serpente” está gerado. Em seu bojo emerge o ódio, a divisão, o “olho por olho, dente por dente”, a “justiça retaliativa” do direito primitivo que pensávamos ter ultrapassado com a modernidade burguesa, quando, na verdade, ela ressurge numa sociedade vazia e niilista como a que estamos vivendo. O corpo das pessoas nas cidades brasileira, em Belém, particularmente, é objeto de violência. É ele que se ataca e não o que os cidadãos trazem no bolso, o que revela com todas as evidências o ódio como móvel dos impulsos sádicos, tanáticos que o velho vienense se referiu.
O psicanalista Paulo Endo, doutor do Instituto da Psicologia da Universidade de São Paulo, no seu livro Violência no Coração da Cidade explica de uma forma detalhada essa realidade.
“As violências que acontecem na cidade representam a face exposta de processos que, de algum modo, se banalizaram reproduzindo-se de modo mais ou menos organizado. Elas passam a fazer parte do cotidiano daqueles que coabitam a cidade e a fazem existir.
Então, quando falamos das violências que ocorrem como conseqüência do próprio desenho da cidade, segundo a qual ela é dividida, circunscrita e normatizada, estamos também e necessariamente falando das violências intersubjetivas. Essas violências se radicam e se definem no hiato que constituí a experiência alteritária e contra ela. Diante das exigências impostas pelo convívio, pela partilha e pela publicização dos espaços e lugares, os citadinos agem de modo a consolidar esses lugares ou atuam de forma a destruí-los e descaracteriza-los, privatizando-os para uso particular e exclusivo.
A violência muitas vezes ocorre nesse intervalo entre a constatação da diferença e o imperativo de ter de coexistir com ela que se impõe no convívio público. Ela se instaura ante a constatação de que o convívio com as diferenças é inevitável, e acaba por fazer parte das estratégias de que se lança mão para suprimi-lo, adia-lo ou nega-lo.”[1]
Os processos que “se banalizam” podem ser vistos na destruição dos bens públicos e sua degradação, seja através das pichações, ou de atos vândalos, como a destruição de telefones públicos, a poluição sonora, quando indivíduos quase estouram nossos ouvidos com o som instalados em seus carros, que trafegam pelas ruas da cidade, desrespeitando o espaço público e o direito dos cidadãos, sem a mínima consideração pelas leis que regem a convivência social.
Também, podemos perceber essa violência se banalizando e generalizando, quando escolas públicas são destruídas ou quando jovens afastam-se dela para drogarem-se em locais suspeitos, como aconteceu recentemente em Belém, quando 49 jovens, a maioria deles menores de idade, em vez de irem para escola embriagava-se em orgias em uma casa na periferia. Isso quando não acontece dos próprios alunos não espancarem seus professores, ou ameaçarem de morte, como tem sido comum em muitas escolas brasileiras.
Olhando de outra perspectiva podemos nos interrogar: o que têm feito as escolas para socializar os jovens? Que valores ela estão difundindo, para os nossos jovens? Quais as razões mais profundas que levam os jovens a se drogarem em orgias, como os 49 jovens fotografados e exibidos como marginais nos jornais da cidade? Será que a escola não está falida na sua pretensão em formar indivíduos críticos, conscientes, cidadãos capazes de compreender e mudar o mundo?
O paradoxo é que a maioria da população acompanha com entusiasmo programas como Big Brother, onde a baixaria impera do começo ao fim (tudo por 1 milhão de reais) e, depois, horrorizar-se quando adolescentes fazem o mesmo na clandestinidade. Não são exatamente esses modelos de comportamento que os jovens internalizam quando acompanham programas como esses?
A cultura da violência toma forma mais cruel quando, tomados pelo medo e pelo pânico, tememos ocupar os espaços públicos, refugiando-nos na ilusão de que a felicidade se resume  no “cada um cuide de si”. Ao adotar esse mote, tão apregoado pela “cultura narcísica”[2] acabamos por nos tornar uma espécie de predadores, movidos pela “lei é de Gerson”, que nos diz que “o importante é levar vantagem”, não importa se isso significa o descompromisso com lei ou qualquer ideal humanista e civilizatório.
Há algo de sinistro em tudo isso, assim como é sinistro perceber a insensibilidade, sintoma visível das pessoas dessa cidade diante da miséria. A subjetividade violenta incide predominantemente sob os corpos dos citadinos e repercute, inevitavelmente, na constituição da subjetividade das pessoas sobre o corpo. Os cidadãos estão com medo de circular pelas ruas da cidade, o que significa o desaparecimento de sujeitos-cidadãos das ruas, o empobrecimento de circulação pedestre pela cidade, o que revela a violência sob os corpos.
Como diz o autor aqui citado:
“Na medida em que negociar, persuadir, convencer tornou-se práticas incomuns diante do conflito de interesses, a abordagem do corpo torna-se o destino provável. A disposição em violá-lo para a obtenção do espaço que ele de algum modo ocupa ou dificulta a ocupação. Matar, espancar, torturar, extorquir etc., passam a ocupar lugar de destaque em tais disputas pelos espaços da cidade que, muitas vezes, só poderão ser obtidos mediante o uso da força bruta que o usurpador não hesita em usar.”[3]
Nos outros estados a situação dos corpos na cidade não é diferente. As balas perdidas na zona mais rica dos Rio de Janeiro, Leblon, Barra já se tornaram rotina na vida dos cariocas. Como diz o jornalista Zuenir Ventura em sua coluna no jornal paraense Diário do Pará de 27 de fevereiro de 2008:
 “Ipanema, um dos mais altos IDHs da cidade, o mítico e hedonista cartão-postal do Rio, virarou ponto de desova é demais (...) Aquele paraíso virou lugar de desova de corpos executados” – diz ele.
O que ele diria do Pará que, apesar de ser o segundo em território é o nono em população, e o 16º em IDH ( Índice de Desenvolvimento Humano) e 23º em PIB per capita, só à frente dos quatro Estados nordestinos mais pobres do Brasil?[4]
O jornalista que escreveu sobre a vida do Chico Mendes conhece um pouco o cenário onde ele vivia e sabe como os corpos são vulneráveis por esses rincões.
 Em Belém, onde jornais publicam as fotos de cadáveres com as vísceras para fora nos cadernos policiais dos jornais, criando seus “monstros” e despertando o ódio nos cidadãos, isso se tornou rotineiro. Aqui a violência é criada, cultivada, como pode ser observado  na própria divisão de “territórios”, que, muitas vezes, se diferenciam e se combinam, como os condomínios fechados, as “Torres” e “Villages”, e pouco mais distante a periferia, muitas vezes na continuação da mesma rua. É a “cidade circunscrita”. De um lado, os corpos protegidos e, mais adiante, o “corpo obstáculo, o corpo objeto, o corpo sem lugar (“corpos incircunscrito”, segundo a expressão de Caldeira). Ou dito de outra forma: “ corpos vulneráveis, pois a cidade já não interessa protegê-los, mas, ao contrário, quer justificar o seu desleixo e sua obtusidade ao querer se proteger deles.”[5]
Ninguém duvida mais que vivemos uma guerra, em nada diferente de Bagdá.  E nessa guerra não há vencedores e vencidos Se a zona sul carioca virou “desova de corpos executados” em meio ao mítico cartão-postal brasileiro, o que diria o jornalista ao visitar a cidade de Fortaleza, Recife, Belém, Manaus, São Luis, e outras capitais brasileira, onde o IDH é uma dos mais baixos do mundo.
Lúcio Flávio Pinto fornece em seu relato para os italianos o cenário dessa guerra:
“Belém ostenta a maior favela horizontal do país, com quase 100 mil habitantes. Os subúrbios são formados por linhas de passagem impropriamente batizadas de ruas, que dão acesso a casas precárias, sem serviços básicos, sem lazer e sem trabalho. Alto consumo alcoólico, drogas, ócio e selvageria tornam sangrento o cotidiano, principalmente nos fins de semana, que dão prova 18 páginas diárias de cobertura policial sem qualquer pudor nos três jornais diários, outro recorde indesejado.”
Outra cena de violência é descrita pela jornalista:
“Quem circular por lugares como Cidade Nova, Bengui, o Jaderlândia poderá fazer associação de imagens de Bagdá ou Calcutá, em estado de guerra, aberta ou não declarada. De cada três habitantes em idade de trabalhar em Belém, apenas um tem emprego. Os outros vivem de serviços ocasionais ou na economia clandestina. A clandestinidade pode significar que ele é um vendedor ambulante, a transgredir suavemente as leis para exercer a sua função, ou atua diretamente no crime, até mesmo como pistoleiro de aluguel em ações de extermínio.”
Eis a violência instaurada na sua forma mais visível, muitas vezes não percebida, pois quando ela é “naturalizada” a guerra (aberta ou declarada) passa a ser vista como um fato corriqueiro, parte do cotidiano. Então passamos a conviver com ela e acaba por fazer parte das estratégias que se lança mão para suprimi-la, adia-la ou nega-la.
Negar a realidade, tornar-se insensível, é uma atitude defensiva para suportar a  situação traumática em que os indivíduos se acham envolvidos. A insensibilidade pode ser vista como um sintoma bastante conhecido em situação de guerra e anomia. O “corpo matável” é vivido no seu frágil equilíbrio. O indivíduo parte para a defensiva, para a agressividade que explode nas interações humanas no cotidiano, como vemos no trânsito, onde um simples arranhão no carro pode gerar um assassinato ou uma agressão física fortuita e absurda.

A VIOLENCIA MUDA

O que alterou no Brasil depois da chamada “transição democrática” e sua chamada “Constituição Cidadã”, de 1988? Quais foram mudanças substanciais ocorridas na sociedade capaz de inverter o quadro das desigualdades em nosso país? De que nós ufanamos? De hoje sermos credores e não mais devedores? Por que entre nós e em todos os países da América Latina democracia nunca rimou com igualdade de econômica ?
Do ponto de vista social, como revelam os dados da ONU citados acima, continuamos “devedores,” pois milhões de brasileiros ainda vivem em condições de vida humilhantes, apesar das bolsas que o governo oferece para os mais pobres. Somos um país esquisito, para não dizer trágico. Inventam-se programas assistenciais que não geram emprego e renda transformando os bolsões de pobreza em currais eleitorais. Ou seja: para os “de baixo”, como dizia o velho Florestan Fernandes, pão e circo, para os “de cima” altas taxas de lucratividade. A lógica da dominação na época da ditadura militar era: política econômica aberta para as chamadas, (na época) multinacionais. Ao Estado cabia o controle dos trabalhadores, proibindo qualquer atividade sindical ou política capaz de por em risco a acumulação. A justificativa era que o bolo precisava crescer para poder, depois, repartir. Na atualidade a lógica é um pouco diferente: o bolo continua precisando crescer para ser dividido, como na época da ditadura (o ideólogo desse mote continua na cena política). Mas, atualmente, para manter as chamadas classes perigosas sob controle, criaram-se mecanismos mais sutis de controle. Distribuem-se as migalhas que sobram administradas pelo Estado em forma de bolsa família e, assim, os 50 milhões que vivem na miséria, segundo a ONU, passam a ter a ilusão que participam do banquete, porque imaginam que estão consumindo mais, quando, na verdade, estão servindo de objeto para uma grande manipulação política.
Assim, em tempo de democracia formal, o Estado não precisa manter o aparato repressivo e fechar os canais de participação política. O aparato estatal até incentiva a participação, coopta lideranças, abre espaços de participação, o que gera a ilusão de que as classes populares estão participando, quando, na verdade se cria novas formas de controle, só que de maneira mais sutil e com conseqüências bem mais graves para a organização dos “de baixo.”
Com desmantelamento industrial da época “fordista-taylorista” em que os “peõs do grande ABC” e outros atores entraram na cena política, havia um aceno (ou ilusão) que o país estava prestes a entrar em um novo patamar de sua história política. Mas à medida que essa estrutura desmanchou-se no ar testemunhamos o maciço aumento do número de desempregados, que viram suas antigas profissões serem varridas do mapa. Sem emprego, inúteis no mercado de trabalho restaram-lhes a luta pela sobrevivência no mercado informal, buscando novas alternativas de ocupação. O desemprego é estrutural e não conjuntural o que significa uma tragédia para os trabalhadores.
E Belém que nem mesmo conheceu um surto de industrialização taylorista-fordista, parece viver da nostalgia bovarista de um pseudo “paraíso perdido” imaginário? Aqui a realidade adquire contornos singulares e – porque não dizer, dramáticos. Como assinalou o jornalista Lúcio Flávio Pinto, esta cidade, “despejada do terceiro lugar que ocupava no ranking das metrópoles brasileiras com a crise da borracha amazônica (desbancada da hegemonia mundial pelo produto asiático mais barato e abundante), na segunda década do século, Belém tentou um futuro na industrialização. Mas quando estradas foram abertas para finalmente integrar a Amazônia ao Brasil, quatro décadas depois, o parque belenense foi à bancarrota: sustentadas no isolamento físico do Estado em relação ao restante do país, distância que funcionava como autêntica barreira alfandegária, as indústrias locais não tiveram condições de competir com os produtos que chegavam do sul por via rodoviária. A ilusão de uma cidade industrial se transformou chegou ao fim. O que era distrito industrial se transformou em cemitério de indústrias que nunca mais renasceram.”(Jornal Pessoal, nº 411)
Hoje - continua o jornalista - “mais de dois terços da economia urbana dependem do serviço e do governo”. Ou seja, o sonho – principalmente das camadas médias da população da cidade – é ter um emprego público que lhe dê estabilidade em um mundo totalmente instável, mesmo que “compre” essa pseudo estabilidade por salários irrisórios que a acelerada modernização brevemente desmanchará. Não é sem razão que muitos estratos dessas mesmas camadas disputam a partilha do estado, combatendo-se mutuamente, como diz o jornalista.
Essa “ferocidade” na partilha é bem visível, mesmo quando se observa superficialmente a política local. Não há um centro aglutinador, uma burguesia capaz de servir de interprete dos anseios e das necessidades do povo local. E o resultado não pode ser diferente: “a polarização bloqueia o diálogo, a troca de idéias: as elites se desgastam combatendo-se mutuamente com ferocidade, enquanto a participação popular é apenas um instrumento para essa recomposição do mando entre os mesmos grupos. O resultado é a falta de continuidade, o desperdício de recursos, o descompasso entre o tempo histórico real e a concepção que dele têm os que realmente manipulam os cordões decisórios” (Lúcio Flávio Pinto, no mesmo artigo citado acima)
Penso que esse descompasso não se dá por acaso, ou por razões morais ou éticas. A consciência das elites locais (e aí incluo os que detêm o poder político e econômico na região) pode ser explicada, pela própria história da região.
A Amazônia, mesmo nos períodos chamados áureos da borracha, quando recebeu como recompensa a cidade de Belém, com sua arquitetura, ruas, avenidas, sempre esteve sob um sustentáculo bastante frágil: a economia extrativista. A Belém do Pará sempre foi, desde sua fundação, uma colônia de exploração, como até hoje. Não é sem razão que Lúcio aponta o novo distrito industrial de Barcarena como escoadouro de uma das matérias primas mais valiosas no mercado mundial: o alumínio. Aqui temos a maior fábrica de alumina do mundo. Mas sabemos que “Belém recolhe as migalhas dessas riquezas”, e parece se sentir impotente para mudar um destino”, como vaticina o jornalista.
O destino de Belém e da Amazônia é difícil prever. Um passado colonial não se supera de um momento para outro. Belém, segundo minha ótica, nunca vai se tornar uma cidade como Londres, São Paulo ou outro centro industrial do Brasil. O mimetismo das nossas elites, que constroem prédios arquitetonicamente tão horripilantes como em São Paulo ou Rio, pode transformar essa cidade num inferno aquático ou nos matar tosquiados pelo sol abrasador desses trópicos. Pode cozinhar nossos cérebros e nos fazer delirar e imaginar que conseguiremos uma convivência humana, civilizada, aberta à tolerância e ao diálogo com a nossa insensibilidade. A cidade, seus espaços públicos, a educação de seus cidadãos, dependerá de nossa capacidade de refletir coletivamente sobre que destino queremos para nossos filhos e netos.
Uma cidade amazônica, nesta nova era ainda está para ser inventada. Se não quisermos voltar para o tempo da lança e do tacape, se continuarmos lobo dos homens, na versão hobbesiana, seremos tragados pela Boiúna que, das profundezas da terra, aguarda seu bote final nessa cidade.




[1] ENDO, Paulo César. A Violência no Coração da Cidade – Um Estudo Psicanalítico. FAPESP-Escuta, São Paulo, 2005. p. 109.
[2] Ver FREIRE Costa Jurandir. Violência e Psicanálise. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1984.
[3] ENDO, op. cit. p.108.
[4] Dados citados por Lúcio Flávio Pinto, Jornal Pessoal, n. 410, p.6
[5] ENDO, op. cit p. 109. A expressão “corpo incircunscrito pode ser encontrada o excelente livro chamado Cidade de Muros:Crime, segregação e cidadania em São Paulo. CALDEIRA, T.P.R. Editora 34 Edusp-SP.2000.

Nenhum comentário:

Postar um comentário