terça-feira, 14 de agosto de 2012

“DEMOCRATIZAR” A UNIVERSIDADE OU MUDAR O MODÊLO QUE A DITADURA CRIOU?


Benedito Carvalho Filho

Foi proposta por alguns professores uma discussão aprofundada sobre os rumos do Instituto de Ciências Humanas e Letras (ICHL) da Universidade Federal do Amazonas. A discussão vem em boa hora, no calor do movimento grevista que se estende por inúmeras universidades federais do país.
Creio que essa discussão nos remete, antes de tudo, não só ao Instituto citado, mas ao conjunto da Universidade, pois o projeto de uma instituição ou de um setor dela está condicionado por uma totalidade maior e tem muito a ver com o momento em que a sociedade brasileira atravessa nos dias de hoje.
Evidentemente, se formos analisar rapidamente somente o nosso “pedaço” não será difícil fazer um diagnóstico aproximado, pois os problemas são visíveis, mesmo para quem está há pouco tempo na instituição.
A precariedade de nossas instalações, como a falta de salas para os professores, a situação em que se encontra a biblioteca (que parece a “menina abandonada” da UFAM, quando deveria ser seu coração, como toda universidade que se preze), a carência de recursos didáticos-pedagógicos, a má conservação das salas aulas (ar condicionados mal conservados e precários), sanitários com equipamentos quebrados e tantos outros problemas.
Um dos problemas que considero grave é a insuficiência de um quadro de docentes capaz de atender as enormes demandas dos diversos cursos existentes na instituição, fazendo com que cada fim de semestre haja uma verdadeira maratona para conseguir a abertura de concursos para a seleção e contratação de professores substitutos. Ou quando são contratados é em quantidade que não atende as enormes demandas do Instituto devido às imensas necessidades exigidas por cada curso.
Aliás, a figura do professor substituto, que, no passado, foi criada para substituir (daí o nome substituto) os professores e professoras que saiam para fazer o mestrado e doutorado, hoje se transformou numa rotina e se naturalizou. Trata-se de profissionais formados pela universidade que trabalham na precariedade, se submetendo ao recebimento de salários incompatíveis com a atividade que desenvolvem e ministrando turmas imensas, através de longas jornadas de trabalho. Com o salário precário que ganham como professor substituto, eles têm que buscar outros campos de trabalho, normalmente nas faculdades privadas, que, como sabemos, os níveis salariais e as condições de trabalho são aviltantes em todos os aspectos. 
Dentro dessa suscito quadro traçado aqui, não é exagero afirmar e constatar que esse ICHL não é, com certeza, o que desejaríamos ter. Certamente os mais velhos da “casa” dirão: já foi pior, hoje trabalhamos em condições infinitamente melhores do que no passado (aliás, um passado não tão distante, pois o curso de Ciências Sociais da UFAM foi criado – salvo engano – em 1988).
Realmente, não é preciso reafirmar que graças aos esforços e a dedicação dos professores e professoras mais antigos (os pioneiros), o curso de Ciências Sociais (e outros dos ICHL), conseguiu se consolidar. Afinal essas pessoas investiram (e muitos continuam a investir) parte de suas vidas na construção dos cursos e devemos reconhecer seus esforços.
Penso que o convite para repensar o ICHL faz sentido nesse momento de paralisação. Parece haver um desejo de interlocução, de desenvolver um trabalho coletivo e isso é muito positivo nesse momento em que estamos vivendo. Percebo também um desejo de “colocar as cartas na mesa” para podermos reivindicar com mais força e determinação, o que é justo e salutar.
Por outro lado, pensar o ICHL passa por uma discussão bem mais ampla, como:

O projeto de uma instituição ou de um setor dela está condicionado por uma totalidade maior e tem muito a ver com o momento em que a sociedade brasileira atravessa nos dias de hoje.

Qual é o lugar e a importância das chamadas “humanidades” nesse contexto globalizado de capitalismo financeiro?

Qual a importância hoje do sociólogo, o filósofo, o pedagogo, o historiador, o literato, o filólogo e as tantas outras áreas de conhecimento que compõem o campo das humanidades e como a universidade (e, em especial a universidade pública, que é o local onde trabalhamos) concebe o significado dessas áreas de conhecimento?
Será que ela valoriza os trabalhos de reflexão e criação que ai é desenvolvido? (e  quando me refiro em valorizar não significa reafirmar aqueles velhos princípios, como “uma universidade crítica”, a “pesquisa, o ensino e a extensão”, etc., mas em criar as reais condições para que esse ensino, a pesquisa, a extensão e a vida cultural aconteçam, prospere e adquira visibilidade). 
Pensar o ICHL que temos e imaginar o que desejaríamos que ele fosse passa por uma discussão mais ampla, que não se resume a uma questão somente a um problema técnico-administrativo que requer gerência e uma administração mais racional. Se fosse isso era só adotar estratégias que compatibilizasse os fins e os meios, alocando recursos financeiros para que a “máquina” como sua burocracia funcionasse a contendo.
É verdade, como afirmou uma professora do Curso de Serviço Social, que agimos na maioria das vezes de forma fragmentada, sem a existência de um projeto político-pedagógico que nos proporcione pistas para traçar o perfil do tipo de aluno que queremos formar e que destino ele deve percorrer quando terminar o curso. Quando nos reunimos é para discutir a distribuição de aulas, quem vai sair para o mestrado e doutorado, a organização interna do Departamento, a nossas carências e tantos outros problemas do dia a dia, onde cada professor ministra sua aula, sem que o conjunto saiba o que o outro está fazendo, gerando uma espécie de “esquizofrenia pedagógica” que só nos fragmentar e isolar.
È preciso não esquecer o que é específico, como a nossa organização interna, sem deixar de lado as determinações mais gerais responsáveis por todos esses problemas. A Universidade Federal do Amazonas é apenas um dos 134 campi existentes no país. Nos últimos anos, desde 2003, o governo federal criou mais 14 universidades pelo Programa de Apoio e Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, cujo objetivo é expandir o acesso e a permanência de jovens na educação superior. Apenas entre 2005 a 2009, o número de matrículas nas federais aumentou 30%.
Mas a expansão está tendo um custo. Não se pode negar o aumento quantitativo das universidades públicas, mas não podemos negar que esse aumento não vem sendo acompanhado da criação das condições necessárias para que as universidades funcionem com qualidade e eficiência. Faltam prédios, muitos são planejados e licitados. Às vezes algumas construtoras ganham concorrência e não terminam as obras. Outras vezes a demora em fazer licitação é demorada, cheia de atropelos, pois sabemos o quanto é complicado e que interesses ocultos estão presentes nessas licitações, onde construtoras subfaturam obras e usam o dinheiro público para enriquecimento ilícito, como temos visto nos últimos acontecimentos envolvendo máfias que disputam obras que estão sendo construídas com o dinheiro público.
É no meio desse turbilhão de descontentamento que se manifestam as reivindicações de alunos e professores, pois compartilham no seu dia a dia com imensas dificuldades. Os professores com seus salários arrochados, se proletarizando progressivamente, como afirmou um professor numa reunião, enquanto os alunos lutam por melhores condições de acesso ao campo, mais transparência e democracia na gestão, mais investimentos no espaço físico e na infraestrutura, que não consegue dar conta das imensas demandas que surgem com o crescimento dos campus.
Não podemos ignorar que muito desses problemas têm uma relação com a gestão universidade. Há necessidade de maio transparência na administração e combater interesses corporativos que existem, como sabemos, na universidade. Essa é uma tarefa imensa a ser desenvolvida na universidade. Mas não podemos desconhecer e imaginar que nossos problemas é só uma questão de gestão administrativa e desconhecer as questões mais gerais que incidem fortemente no nosso cotidiano universitário.   
Entretanto, penso que os problemas que enfrentamos no ICHL têm muito a ver não só pelo descaso do governo que atualmente arrocha o salário de professores e funcionários, mas tem uma relação direta com todo um modelo econômico que segue as diretrizes do FMI e o Banco Mundial, que é o que vem sendo imposto e que se baseia em uma leitura que se faz da educação nesse momento. Ela diz respeito não só ao ensino universitário, mas a educação de uma maneira geral.
Trata-se de submeter às universidades públicas às exigências da lucratividade do capital internacional, que é quem comanda e decide os rumos da economia brasileira. Trata-se de um projeto hegemônico, concebendo a educação como um descaracterizado bem “público”, que defende a argumentação de que as instituições públicas e privadas prestam um serviço público e, por isso, está justificada a alocação de verbas para as instituições privadas e verbas privadas para o financiamento das atividades acadêmicas.[1]
Há lugar para as humanidades na sociedade produtivista?
As razões dessa dicotomia são antigas. Mas não podemos negar que uma das causas de crise em que vive o ensino superior é resultado de sua adequação às exigências de acumulação de capital.
Uma das peculiaridades da instituição universitária é sua situação de crise permanente. E isso tem relação, também, tanto à sua organização, uma composição heterogênea e conflituosa de forças e interesses, como à sua condição de caixa de ressonância das tensões sociais e contradições da sociedade.
As discussões entre as chamadas humanidades e outros campos do saber, como a ciência e a tecnologia, sempre fez parte de uma longa história, gerando conflitos e se tornou um marco na discussão do projeto moderno de universidade.
Como nos mostra Ricardo Musse,[2] essa é uma discussão antiga, surgida quando a modernidade dava seus primeiros passos:
Foi a disputa entre a recém criada faculdade de filosofia e as tradicionais faculdades de teologia, medicina e direito na época em que a modernidade discutia à autonomia acadêmica, mas também remetia a uma controvérsia acerca do modelo educacional. [3]
Prevaleceu, segundo ele, a proposta de Kant que, no seu trabalho chamado “Conflito das faculdades” (1789) buscou a proposta conciliatória onde cada faculdade teria seu domínio. Isso se tornou um dos pilares da universidade moderna após a adoção em Berlim por Hamboldt, que acabou, como mostra o autor, na propagação desse modelo em quase todo o Ocidente.
A propagação desse modelo, segundo Musse,
permitiu que Max Weber, nas primeiras décadas do século passado apresentasse o resultado do processo multissecular de intelectualização e racionalização – o desencantamento do mundo – como um conflito insolúvel entre profissões ou vocações, um antagonismo entre as esferas autônomas da religião, da ciência, da arte, da política etc.[4]
Em plena época de ascensão da sociedade burguesa moderna, ainda segundo Musse,
Weber afirmava o “politeísmo de valores”, com as vozes da direita e à esquerda que destacavam outras incompatibilidades: a indissociação entre o homem culto e o especialista na terminologia de Ortega y Gasset; a tripartição entre literatura, ciência e sociologia – “as três culturas”, segundo a fórmula de Wolf Lepinies em livro homônimo, na qual desdobra a distinção clássica de W. “Dilthey entre ciências do espírito” e “ciências naturais”.[5]
Essa era a “crise da ciência européia” (a expressão é de Husserl) para nomear as discrepância e interpenetrações indevidas entre cultura filosófica e científica.
Mas o destino da universidade e de seu projeto civilizatório fora selado no pós-guerra pelo triunfo mundial, em suas várias modalidades, do capitalismo de Estado. Sua emergência e predomínio promoveram uma mudança substancial na função e no estatuto da universidade.
Ao redor de que a universidade moderna, cujos os primórdios podem ser localizados no continente europeu na segunda metade do século 18 vai se organizar?
Afirma Musse:
Um dos pilares do Estado-nação, a sua feição moderna com relação à universidade, que é preparar os quadros da nova elite incumbida de gerir o Estado e a esfera pública. [6]
Ou seja, fortalecer uma burguesia intelectual encarregada de substituir a camada da nobreza que monopolizava essa atividade durante a vigência do Estado absolutista.
Outra função, segundo o autor, foi a “invenção da tradição nacional”,
a tentativa de legitimar culturalmente a recém conquistada soberania política e militar. A delimitação do território e a afirmação do poder estatal foram reforçadas pela orientação das pesquisas que privilegiavam temas e questões locais buscando forjar uma cultura e uma identidade nacional.[7]

Essa nova feição do Estado, a serviço da acumulação capitalista e da reprodução da força de trabalho e regulador da atividade econômica, fez com que a universidade se adaptasse a essa nova situação, não só como propiciadora e reguladora da acumulação capitalista e adestradora da força de trabalho, mas desempenhando o papel de fornecer o saber técnico científico imprescindível ao planejamento, programação e controle do processo de produção e circulação das mercadorias, mais um entre os muitos subsídios indiretos do Estado para a operacionalização.
Musse vai mais longe no seu diagnóstico, quando nos alerta:
Não se trata mais do fato de que a ciência e a técnica desenvolvidas no âmbito da universidade, segundo os padrões e as regras do conhecimento acadêmico possam vir a ser instrumentalizado pelas empresas e pelo mercado. Em sua nova determinação, a ciência e a técnica são concebidas para servir à sociedade exclusivamente na produção de mercadorias. Um desdobramento, portanto, bem distinto do predomínio da cientificidade temido por Husserl e defendida por Popper, e talvez seja mais bem descrito como uma colonização científica pela lógica econômica. [8]
Para onde está indo a cultura humanista nessa lógica econômica?
Ainda, como observa Musse,
a cultura literária e artística, cujas raízes se estendiam do humanismo renascentista até Roma e Grécia, com seu tronco fincado nas literaturas nacionais, foi reduzida a ruínas. O domínio do grego antigo e do latim deixou de fazer parte do repertório do homem culto, tornando-se apanágio de especialistas. O interesse pelo mundo Greco-romano, outrora momento decisivo de um processo formativo de autoconhecimento, desvaneceu-se na sociedade de consumo que tem a identidade forjada não pela memória histórica, mas pelas conquistas da ciência e tecnologia. [9]

A crise da universidade – diz Musse
 deriva de sua adequação às exigências de acumulação do capital. Movimento esse intensificado por conta do abafamento do debate interno, da discussão pública e ainda da abdicação do poder decisório em favor de uma casta burocrática que administra a instituição segundo critérios empresariais, transmutando-a, na feliz fórmula de Marilena Chauí, numa “universidade de resultados”.[10]
São oportunas essas intervenções de Musse – mesmo que pareçam longas – porque repõe e ilumina a discussão sobre o ICHL em outro patamar e nos leva a pensar que o descaso que encontramos no cotidiano não é produto de uma imaginária falta de vontade administrativa, mas  parte de uma lógica cujo sentido, como aponta Musse, é preciso compreender.
Como é possível perceber, o ICHL não está sendo sucateado somente por causa da falta de gerência, ou por uma questão de pertinência, mas porque não se adequada a essas novas determinações apontadas anteriormente, onde a ciência e a técnica são concebidas para servir à sociedade exclusivamente na produção de mercadorias.
Porque os industriais do pólo industrial da Zona Franca não procuram os nossos sociólogos, geógrafos, pedagogos e tantas outras pessoas da área de humanas? Será porque somos irrelevantes? Será porque o pessoal da área de humanas vive na defensiva, incapaz de impor os nossos sistemas de avaliação, em divulgar nossas pesquisas na área das ciências humanas? Como somos visto por outros setores da sociedade? [11]
A burguesia, na época da afirmação da modernidade, precisava das áreas de humanidades – dos sociólogo, dos psicólogos, dos pedagogos, dos filósofos e filólogos etc. – pois nos momentos de afirmação precisavam desses profissionais para regular e higienizar uma sociedade profundamente marcada por violentos conflitos, cujo palco eram as cidades (não foi por menos que um dos primeiros estudos de sociologia urbana foi feito  por Engels, na cidade de Manchester, no olho do furação da sociedade capitalista que emergia).
Nesta era de financeirização e do lucro rentista imediato em que estamos imersos, os capitalistas estão interessados em atividades que gerem lucros imediatos, na aceleração do consumo e na sociedade do espetáculo, segundo a expressão de Débord.  Para que humanidades nessa época de volatibilidade, quando os interesses giram em torno do lucro imediato, turbinado por uma economia que se torna cada vez mais plana?
 Por que incentivar a pesquisa e a tecnologia nos enclaves se os pacotes já vêm prontos e requerem somente a existência de uma mão-de-obra adestrada e dócil para tocar a produção?
Para que formar sociólogos e literatos, filósofos se a “razão instrumental” colonizou nosso mundo cada vez mais racionalizado pela ciência a serviço do capitalismo? 
Talvez, para nós, professores da área de humanidades, o nosso “desencantamento” passa por ai, como se quiséssemos nos reinventar num mundo que foi “inventado” de outra maneira e não em nossos sonhos românticos. O mal-estar é, parafraseando Freud, da civilização e nos atinge profundamente.

O QUE PODE FAZER UMA “UNIVERSIDADE TEMPORÔ EM PLENA ÉPOCA DO CAPITALISMO FINANCEIRO?
 A universidade brasileira é recente. O que está acontecendo no seu interior atinge também as universidades de todos os países. Nela explodem todos os conflitos da sociedade em transformação. Quem acompanha os últimos acontecimentos que vêm ocorrendo em todo mundo, na Europa – que enfrenta uma das mais violentas crises de todos os tempos – e nos Estados Unidos, percebe  a dimensão da crise e o mal-estar que ela gera. A cada dia vemos protestos nas ruas de Paris, Barcelona, Portugal e no Chile, país latino-americano onde o neoliberalismo era proclamado e exaltado pela mídia e seus artífices nos tempos ufanistas da globalização, quando Pinochet estava no poder. 
No Brasil a situação é dramática. Mais de 70% do ensino público universitário está nas mãos de empresas privadas e discute-se o papel dessas instituições de ensino na formação de novos profissionais.
Que tipo de formação o aluno recebe nessas instituições, onde boa parte delas visa somente o lucro imediato? Elas produzem que tipo de conhecimento? Como avaliar e comparar a educação pública com as instituições privadas de ensino? Qual o lugar das humanidades no currículo escolar nesses locais?
Sabe-se que a universidade brasileira é um produto tardio, (a USP foi criada em 1935) mas sem tradição consolidada. Francisco de Oliveira, professor aposentado, considera a universidade brasileira um milagre. Milagre, segundo ele, porque saímos do escravismo e do ensino monopolizado pela Igreja Católica e conseguimos criar um sistema público de ensino da escala.
Reconhece que hoje, em todos os estados, há pelo menos uma universidade federal, e a influência delas sobre o ambiente, segundo ele, é “algo que não tem avaliação possível”. Mas as condições em que funcionam essas universidades nas diversas unidades da Federação são extremamente precárias.
Aqui no Amazonas, no extremo norte do país, isso é evidente, principalmente as unidades de ensino localizadas no distante interland amazônico, em áreas extremamente carentes de infra-estrutura, onde a população parece viver no século XIX, pois em muitos lugares nem os requisitos materiais básicos da modernidade – como a energia elétrica, por exemplo, ainda não chegou Isso nos leva a pensar: por que expandir as universidades, interiorizá-las se as condições são tão precárias? Por que a concentração de universidades nas cidades, como Manaus, por exemplo, onde boa parte dificilmente vai conseguir um precário emprego no falado “mercado de trabalho”?  
Mas, penso que, apesar de tudo, a universidade na região desempenha um importante papel simbólico aqui no Amazonas. Mesmo com todos os limites e dificuldades é aqui na UFAM que (bem ou mal) circula algum debate e há alguma possibilidade de interlocução. Portanto, temos que preservar esse espaço, mesmo com todos os contratempos. 
No entanto, temos que admitir que, como afirma Marilena Chauí,[12] que a privatização e a reforma universitária fez uma educação voltada à fabricação de mão-de-obra. Mas será que essa mão-de-obra será absorvida por esse mercado de mão de obra?
Para os mais pessimistas, como a filósofa citada acima,  a escola atualmente não o espaço de  formação de pensamento crítico dos cidadãos. Para ela o pensamento crítico está se dando em outras formas de agrupamento, como nos movimentos sociais, movimentos populares, ONGs e em grupos que se formam com a rede de internet e nos partidos políticos.
Mas há Ongs e Ongs se dizendo representando da chamada “sociedade civil”. Particularmente tenho dúvidas que o pensamente crítico está mesmo se dando nos movimentos sociais e nessas instituições, muitas delas capturadas por outros interesses e travestidas de “empresas responsáveis” pelo que se chama “desenvolvimento sustentável”, um termo hoje em moda e muito pouco discutido.
É verdade que as grandes mudanças na educação brasileira se deram no período da ditadura militar. Mas todo o modelo que temos hoje de universidade pública no Brasil não foi desmanchado e continua intacto na sociedade brasileiro. Houve  a  violência repressiva que se abateu sobre os educadores nos três níveis, fundamental, médio e superior. As perseguições, cassações, as expulsões, as prisões, as torturas, mortes, desaparecimentos e exílios. Enfim, a devastação feita no campo dos educadores. Todos os que tinham idéias de esquerda ou progressista foram sacrificados de uma maneira extremamente violenta.
A privatização do ensino é uma realidade e se passa no ensino superior, no ensino fundamental e médio.  Se antigamente o ensino público era visto pela sociedade como um valor, porque formava as elites pensantes, propiciando aquela formação básica, hoje o que vemos nas salas de aula, além da massificação, é o baixo nível de preparo dos estudantes que conseguem entrar nas universidades, incapazes, muitas vezes, de interpretar um texto e sem um mínimo domínio da escrita.
 Também, as verbas destinadas às escolas públicas minguaram e hoje temos nas salas de aulas professores recebendo baixos salários, adoecendo e tomando anti-depressivos. Enquanto isso as escolas privadas se proliferaram nesse país como cogumelos através dos incentivos para criação de universidades privadas que aumentou de tal forma que hoje mais de 70% dos alunos das faculdades e universidades são clientes delas, muitas vezes recebendo uma educação precária, que futuramente só vai gerar frustração. [13]


[1] LIMA, Kátia. Contra reforma na educação superior: da FHC a Lula. Editora Xamã. São Paulo, 2007, p. 52. É isso que se chama de “autonomia universitária” onde empresas alocam recursos na universidade e cooptam alguns professores que passam a receber gratificações muito maiores do que recebem na universidade, enquanto a maioria da categoria sobrevive com os parcos salários e tem que fazer greve. Como disse um professor da sociologia: “por que fazer greve, se ganho o dobro ou o tripulo com esses convênios?” Nessas alturas a “autonomia” passa a ser só uma retórica. E salve-se quem puder;
[2] Ver MUSSE, Ricardo. Universidade de Resultado – A atual crise no ensino superior e a acumulação de capital. Publicado na Revista CULT 138, página 56.
[3] Op.cit. p. 57.
[4] Op.cit. p.4
[5] Op.cit.p. 4
[6] Op.cit.p.6
[7] Op.cit.p.56
[8] Sobre essa questão, Álvaro Bianchi e Ruy Braga, num artigo chamado Um conto de duas universidades – quando a lógica mercantil se sobrepõe à construção do pensamento crítico e reflexivo vão direto no ponto, quando afirmam: Atualmente, quer estejamos analisando laboratórios de empresas públicas voltadas para a inovação, quer estejamos estudando o processo de incubação de fomento à pesquisa em universidades públicas, encontramos a mesma lógica produtivista que controla as corporações privadas regulando o trabalho científico e acadêmico por meio da aceleração dos ciclos, do estabelecimento de metas, da organização por “unidades de negócios”, da formação de equipes e da flexibilidade do trabalho intelectual. Isso sem falar na pressão “taylorista” exercida sobre os pesquisadores para patentear novos processos e produtos ou publicar dezenas de artigos em revistas indexadas. Mais adiante, afirmam: Na distopia produtivista do administrador Winslow Taylor, o trabalhador ideal era um gorila amestrado, capaz de reproduzir de modo automático um conjunto muito simples de movimento em menor tempo possível. Na distopia da universidade neoliberal, o pesquisador deve se submeter a um conjunto determinado de rotinas no menor tempo possível. Se num caso se empilha carvão e no outro se produz um “paper”, tanto faz, pois o modo de organização do tempo de trabalho não difere muito. E concluem: O modo de avaliar o resultado também não. Ao final de um certo período, contabiliza-se o total produzido ou toneladas de carvão, ou artigos publicados. No caso da ciência, os resultados obtidos poderão encher de satisfação a burocracia acadêmica, mas dizem muito pouco sobre os conhecimentos produzidos no Brasil. A seleção dos destinatários dos recursos disponíveis segundo essa lógica mercantil e produtivista poderá condenar a produção científica feita no Brasil à irrelevância.”
O sociólogo e economista da USP traça outra faceta desse produtivismo desvairado que predomina hoje na universidade brasileira: A produtividade duplicou, quer em número de artigos, de docentes, quer no número de pesquisadores e de artigos indexados. Ou seja, a produção científica em geral melhorou extraordinariamente. Quintuplicou o número de alunos de pós-graduação e duplicou o número de alunos da graduação. Segundo os critérios liberais, as universidades provaram que são produtivas. Mas ele chama a atenção para outro aspecto: A produtividade cresceu. Mas há o outro lado: a regressão salarial fortíssima do docente e também do funcionalismo, embora em menor grau.Houve a diminuição da relação funcionário-aluno, ou seja, há maior exploração do trabalho dos professores e alunos. Muitos professores tomam medicamentos do tipo neuroplético para manter a concentração. Todos. Alguns não vêem os filhos pela manhã e a noite. Este é o resultado. É o produtivismo aplicado a uma lógica acadêmica. O grande fracasso da universidade. (Ver Universidade em Debate, entrevista do Francisco de Oliveira, publicado na revista Cult, nº 130, Dossiê Conflito das Universidades. Página 48)
[9] Op.cit.p.57
[10] Op.cit.p.57.
[11] Nesse sentido, é oportuno ler o artigo de Vladimir Safatle chamado O mal-estar nas ciências humanas. Publicado na revista CULT, nº 138.
[12] Ver entrevista com a professora Marilena Chauí, publicada na Redação da Rede Brasil Atual ( Para Chauí, ditadura iniciou devastação física e pedagógica da escola pública) em 30/03/2012.

[13] Francisco de Oliveira conta um caso que certamente é muito comum entre os alunos que cursaram algumas das universidades privadas. “Conheço a experiência de pessoas concretas. Como vício de profissão, olho as coisas muito sociologicamente. Na padaria onde tomo café, trabalha uma balconista que resolveu concorrer para uma bolsa do ProUni. Ela ganhou e ficou muito satisfeita. Tempos depois, ela deixou a padaria para trabalhar em outra área. Um ano atrás, voltou a ser empregada da padaria. E eu disse: “Cadê o seu curso?” Para que serviu?” Ela, claro, não baixou a guarda. “Não, seu Chico, estou terminando. Vai dar certo, vai dar certo”. Dois anos depois de freqüentar aquela faculdade, os cursos dela não tinha servido para nada.” (Ver Dossiê Conflito das Universidade, op.cit.p. 48).
















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