terça-feira, 7 de agosto de 2012

PENSAR A AMAZÔNIA? PARA QUÊ?

                                                                                                                                                Benedito Carvalho Filho


O Dossiê (A Vale Engorda. O Pará emagrece – 15 anos de privatização), de Lúcio Flávio Pinto,  deveria ser objeto de estudos e debates, pela relevância dos artigos que escreveste e pelos dados que forneces.

Anoto rapidamente uma primeira impressão, no sentido de contribuir para esse necessário debate, fundamental para pensar a Amazônia contemporânea.

O que parece estar acontecendo com a Vale do Rio Doce - e isso tu constata muito bem quando dizes que ela é uma das grandes empresas mundiais que joga alta na Bolsa de Nova York -  é sua crescente financeirização.
Se observarmos isso que se chama “mundialização do capital” veremos que só podemos entender sua lógica se entendermos a globalização como um processo pela qual  o capital-dinheiro se apresenta de forma hegemônica. As antigas periferias capitalistas (como a Amazônia, por exemplo) fazem parte dessa divisão espacial do capital, ou seja,  a forma financeira descolou-se da forma capital-produtivo, e a divisão mundial do trabalho é agora comandada pela oferta de capital-dinheiro, que escolhe as localizações espaciais do capital-produtivo.
Pinço alguns pedaços do teu Dossiê onde tua te refere a isso:

Apenas me deterei no que se tornou inquestionável: a universalização, com um sentido negativo e tenso tão caro a geopolítica aplicada na Amazônia. A Amazônia passou a fazer parte do mundo antes de se integrar ao próprio país, seguindo um curso inconstante e traumático na etapa da nacionalização, do que na internacionalização, que a precedeu.

E afirmas mais adiante:

 Hoje, mais do que nunca, é impossível entender a Amazônia sem situá-la no contexto mundial. Tanto para manter a forma espoliativa de utilização de seus recursos (naturais e humanos) como para mudá-lo.

Teu insigt quando observas o cenário de Xangai durante a Formula 1 é de uma sutileza fantástica. Aqueles prédios enormes de aço que emergiram no horizonte como pano de fundo fez com que observasses e fizesses relação com o minério levado da Amazônia hoje, e o ouro de Minas Gerais.

 A mesma associação poderia ser feita no começo do século passado ao observar os pneus das fábricas de carros nos Estados Unidos e na Europa na época do taylorismo-fordista e as condições de trabalho na selva amazônica. Essa contrafação brutal também se manifesta hoje no relato que fazes das condições de trabalho dos 12 a 15 mil trabalhadores nas minas de Carajás. Aliás, sempre foi na base da intensa exploração do trabalho que o capital se valorizou.

Qual é o significado hoje da internacionalização da Amazônica? Como ela pode ser entendida?

Tu dás algumas pistas quando citas o livro de um jornalista chamado Thomas Friedman, que apontou a principal característica da globalização: ter-se tornando plano. Não compreendi muito bem o que significa ter se tornado plano. Intuo que é um fenômeno da globalização.

Lendo um trabalho do Chico de Oliveira,[1] fruto de uma de suas palestras que ministrou em plena época de euforia da globalização ele dá algumas pistas para entender isso, quando afirma, por exemplo que o termo periferia foi utilizado por Prebisch e sua Cepal, quando descrevia e interpretava a divisão internacional do trabalho que se sustentava na assimetria entre produtores de manufaturados e produtores primários.
Dizia que de qualquer modo, a “periferia” se sustentava numa capacidade tênue, mas ainda assim efetiva, de realizar políticas autônomas.  Mas, o termo “periferia”, hoje, segundo ele, já não tem capacidade heurística para descrever e interpretar a mundialização, e é usado agora para designar uma imagem apenas ideal de uma economia-mundo –no dizer de Immanuel Wallerstein e Octávio Ianni6 – de círculos concêntricos, mas já não descreve a relação.Mastodontes como China, Índia, Brasil, Rússia, Indonésia, e México e África do Sul, em certa medida, ainda aparecem como economias sub-mundiais, mas a grande maioria comparece apenas como localizações aleatórias do capital mundializado, o que embaralha a divisão mundial do trabalho.

A Microsoft, cita um exemplo, está em Costa Rica em sua única unidade fora dos USA: o pequeno país da América Central é uma periferia dentro do centro ou o centro dentro da periferia ? E porquê ele foi escolhido para sediar esse “objeto do desejo” de toda a periferia ? Não há nenhuma razão, ancorada na velha divisão internacional do trabalho, nem nas teorias locacionais de custos comparativos, nem de fontes de matérias primas.

Na verdade, como ele nos mostra, que as antigas periferias, dentre elas a Amazônia, é apenas uma plataforma financeira e os países convertem-se em plataformas de exportações. O conceito de “periferia” supunha o Estado-Nação. A desterritorialização operada pela mundialização escandiu o Estado-Nação periférico. Resta o Estado e quase desaparece a Nação; onde esta persiste, é à força da predominância do Estado na velha junção dos termos: O movimento da taxa de lucro, parametrizado pelo capital-dinheiro mundial é seu principal determinante, para cima ou para baixo.

Em outras palavras, a intensidade da taxa de exploração chinesa é a condição para a atração do capital-produtivomundial, e a forma especial do Estado altamente centralizador é uma espécie de Estado-caserna, extremamente funcional para a acumulação de capital.

Não é à toa, como constatas no Dossiê, que  os jagadores da WallStreet já tem dois terços das ações preferenciais, que representam 40% do capital global da Vale (...) que quer dividentos e mais dividendos, negócios e mais negócios, lucros e lucros, como é a lógica inexorável do capitalismo, e desse capitalismo da cassino.

Como dizes:

 Não importa se montanhas de commodities continuarão a ser sugadas do Pará no rumo de uma China insaciável, deixando buracos no ponto de origem, isso é detalhe, ou circunstâncias. .

Um projeto nacional torna-se, assim, uma quimera. Em seu lugar, como paradoxo do neoliberalismo e da mundialização, viabilizam-se apenas políticas de Estado.Vestidas de retóricas “nacionais”, mas cujos objetivos são, em primeiro, segundo, terceiro lugares, a reificação do Estado como instância de cálculo da reprodução do capital interno e sua relação com o capital mundializado.

Concordo contigo quando afirmas que não se pode pensar a Amazônia fora desse processo de mundialização, nem acho que seu destino é voltar-se para dentro. As elites dominantes desse país estão profundamente identificadas com a lógica desse capital financeiro e dificilmente permitirão que se trace outros caminhos alternativos. O Pará, como os políticos que tem, sem perspectiva histórica e sem senso de oportunidade, são incapazes de pensar num projeto a longo prazo para a Amazônia. Na verdade, estão interessadas em tirar vantagem dessa situação, como bem mostraste no último Jornal Pessoal quando fizeste uma análise do perfil das lideranças políticas do Pará. Uma classe política dessa estirpe, um judiciário como o que temos e uma sociedade sem consciência política, analfabeta e venal, talvez mereça os dirigentes que tem. Enquanto isso o nosso minério zarpa para a China, que agradece. Vivemos nos tempos na jogatina, com “Cachoeiras” de vários tipos. Pensar a Amazônia? Para que isso?




[1] Refiro-me ao texto  As Contradições do Ão: Globalização,Nação, Região, Metropolização
Francisco de Oliveira Novembro de 2004

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