sexta-feira, 17 de agosto de 2012

A PRAÇA DA SÉ E A IDENTIDADE DOS TRABALHADORES


João de Deus, trabalhador metalúrgico, na época membro do Movimento Nacional dos Meninas e Meninas de  Rua.

Uma das primeiras coisas que gostaria de falar aqui é a expulsão e exclusão dos trabalhadores dos lugares construídos por eles mesmo, como é o caso da Praça da Sé.
Se formos verificar a fotografia da cidade, vamos ver de que forma vem se dando a ocupação da cidade. Na Zona Leste, junto com os movimentos populares, observamos um fenômeno interessante.
 Há quinze anos foi construída uma vila numa baixada, chamada hoje de Baixada do Itaim Paulista, que é uma ilha entre o rio Tietê e a rodovia São Paulo-Rio.
Esta ilhada, por um lado, pelo Rio Tietê e, de outro, pela Central do Brasil. No passado era uma lago No passado era uma lagoa, um brejo, mas à medida que o centro de São Miguel foi sendo habitada a igreja foi ficando bonita e os trabalhadores que criaram a Companhia Eletroquímica foram obrigados a ir mais para frente.
Vamos perceber que no centro da vila não se via mais trabalhador. Até então a praça, usada nas festas populares, não foi mais usada pelos trabalhadores, sempre jogados para frente. A lagoa começou a ser aterrada com o entulho tirados da companhia e os trabalhadores da própria empresa não tinham não tinham como comprar um terreno mais no centro da cidade.
Essa mesma situação faz parte de um processo de expulsão daqueles que produzem, daqueles que constroem a cidade. Nesta mesma área, numa extensão de quase trezentos alqueires de terra, está sendo ocupado hoje da seguinte maneira: uma grande companhia chamada Imobiliária Continental era dona daquelas terras. Num determinado momento a prefeitura diz que ali não podia ser loteado porque os ecologistas não deixavam. O que a Companhia fez ? Incentiva a invasão dessas terras pelos trabalhadores. Eles ocupam o terreno, a Companhia faz que não vê e, três meses depois, quando está tudo ocupado obriga os trabalhadores a saírem do local.
Estou colocando esse fato como exemplo para mostrar de que forma os trabalhadores vão sendo expulsos dos espaços da cidade.
Os espaços que sobram para os filhos são as praças públicas, ocupada pela polícia em nome da segurança. É horrível a gente falar em força policial para resolver problemas sociais, porque o problema de nossas crianças é um problema social e não um problema para ser tratado com polícia, com segurança pública.
Há 70 anos historiadores já mostram o mesmo relatório, semelhante ao que nós temos hoje. Onde está o compromisso das pessoas, dos administradores dessa cidade? É importante a gente começar a fazer perguntas.
Outra coisa que nós podemos observar hoje é a reação das pessoas diante desse processo de expulsão. Um dia uma pessoa ligou para o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua e disse: “Eu quero dar uma sugestão para vocês de como acabar com esses meninos de rua. Vocês têm que ensinar esses baianos, esses nordestinos, a fazer o controle da natalidade. Vocês têm que dar remédios para eles; têm que fazer aquela operação que se faz no homem; têm que fazer laqueadura nessas mulheres. O problema dessa cidade são os nordestinos.”
Adivinhem qual foi a pergunta que me deu vontade de fazer para essa pessoa ? Deu-me vontade de dizer o seguinte: “Escuta, você está dizendo que as pessoas daqui são todas filhas de nordestinos? Onde estão os paulistas? Paulistas não fazem filhos?”
 Esse discurso aparece também lá no Norte e Nordeste. Aparece na mídia, dizendo que quem desejasse vim para cá deveria ter menos filhos, a mulher teria outras formas de ficar mais bonita porque outras coisas poderiam ser feitas. Só que isso não se passa lá no nordeste. Do lado de lá escutamos outra coisa. Também as crianças que foram nascendo aqui foram entendendo esse discurso dessa forma e acreditam nessa história.
Eu chamo isso de degradação da cultura popular, da cultura do povo. Os meios de comunicação provocam uma invasão na vida do cidadão, que passa mais a não acreditar que ele pode transformar a realidade. Tem que depender de outras pessoas que ensinem ele a falar e ensine até gozar.
Outro aspecto que chama a atenção quando se fala em degradação é a questão da saúde. Essa cidade está se constituindo numa fábrica de loucos. As pessoas estão perdendo  as suas identidades.
O que está colocado como problema hoje na Praça da Sé é a polícia. Outro dia estive em Santos e encontrei um menino de rua cujo apelido era Ferrugem. Perguntei para ele o que ele estava fazendo ali. Ele respondeu que tinha viajado oito horas para chegar na cidade de Santos e tinha ido para lá porque a sua situação estava complicada.
Essa é a forma como expulsam as crianças da cidade. Nós não temos um diagnóstico da cidade nem do Estado mostrando as formas de migração das crianças da cidade. As pessoas partem do princípio de que as crianças só andam com pessoas adultas e se movimentam de um lugar para outro só pelo prazer de se locomover. Isso é mentira. Não é pelo prazer, não! Se ela tiver o que fazer em um determinado lugar elas ficam se for um lugar gostoso. O lugar pode até ser meio ruim, mas a criança o transforma num lugar gostoso, habitável.
Se nos formos ver a Praça da Sé, se não houver perseguição policial, se existirem formas diferentes de tratar a criança ela pode ser transformada em um dos lugares de atração cultural, de atendimento público, respeitando a identidade de cada criança. 
































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