quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A PRAÇA DA SÉ COMO ESPAÇO DE RESISTÊNCIA: SEU SIGNIFICADO POLÍTICO




Fúlvio Abramo, já falecido era jornalista e militante do Partido Socialista. Foi um militante combativo em sua época.

Em primeiro lugar, quero agradecer a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo, por ter me convidado a prestar esse depoimento pessoal sobre essa praça chamada o Marco Zero da cidade, na qual eu tenho uma longa e antiga vivência.
Nasci há 83 anos, aqui perto da Praça, na rua Francisco Michelina. Nós íamos às vezes até ao Largo da Sé correr e brincar. Isso eu me recordo pouco. Mas eu me lembro bem que, saindo dali, fomos morar no bairro do Ipiranga e existiam duas linhas de bondes que chegavam até à Praça da Sé. No largo tomávamos outro bonde para ir até a Av. Paulista. Eu estudava no Instituto Dante Alighieri e, desde pequeno, conheço a  Praça da Sé. Vi a sua evolução no tempo e também a importância que ela foi adquirindo para a vida social e política, como o marco de uma realidade, de formação de uma cultura, para a formação de uma realidade política e social.
A Praça da Sé tem momentos em sua existência que marca como  um ferrete  o fim de um período histórico. A histórica missa ecumênica promovida por D. Paulo Evaristo Arns, pelo rabino e pelo pastor protestante Paulo Writh,[1] foi o marco definitivo para acabar com a tortura no Brasil. A tortura acabou só depois que aquele acontecimento, com sua expressão e seu simbolismo e com sua força e sua coragem, mostrou que era possível acabar com aquela vergonha. Então, a Praça da Sé é um logradouro público muito importante na vida da cidade.
Vou citar um trecho de um depoimento dado por Darcy Ribeiro em 1983, quando convidado pelo governo do Estado de São Paulo para pronunciar uma palestra do Centro de Cultura do Estado.
Referindo-se a São Paulo, ele dizia o seguinte:
A cidade deixou de ser aquela de tensão de cultura que foi nos seus primórdios, que foi quando nasceu, quando foi inventada para se tornar uma espécie de conglomerado de lixo, onde os homens se devoram e são devorados. São Paulo me dá a impressão de um conglomerado de lixo, e não um lugar para morar como acontece em todas as grandes cidades, porque o homem perdeu um pouco a noção da cidade. A cidade de prazer, que foi fundada como sendo a casa dos deuses. Apolo das cidades gregas está longe de existir na formação da cidade de São Paulo.
Com os esquematismos que lhe é característico, o professor Darcy Ribeiro viu apenas dois pontos cruciais da cidade de São Paulo e da Praça da Sé. Na realidade, nenhuma cidade é formada como casa dos deuses. Esse conceito ele tirou dos sociólogos franceses da escola de Levy Strauss. É um mito. Na realidade, a cidade se forma onde os interesses do povo que produz e se reúne para viver. Somente aí é que se forma a cidade. Não é a cidade de Deus em contraposição ao conglomerado de lixo, que, segundo ele, se transformou a Praça da Sé. Foram os homens que foram construindo a cidade em torno da Praça da Sé.
Eu passei pela Praça da Sé onze anos. Comecei a pertencer ao Instituto Dante Alighieri quando tinha cinco anos de idade. Então, desde essa idade até os 16 anos passei diariamente durante todo o meu período escolar pela Praça da Sé. Eu vi a sua evolução. Era um lugar que antes só se encontra coxins puxados a cavalo até quando foi instalado os pontos de táxis, que eram só de duas marcas naquele tempo, os Berliots e Fiats. Depois, com a formação do bairro, começou a haver um maior número de ônibus, de bondes, todos tendo como ponto final a Praça da Sé. Foi nesse período que assisti pela primeira vez um comício na Praça da Sé. Isso foi em 1917.
1917 foi uma fase crucial na vida da nação. Foi o momento em que o país passou a se sacudir e querer sair da condição de mero importador e se transformar em um país exportador. Essa realidade foi imposta por um grande movimento operário, que destruiu as estruturas existentes que cuidavam somente da produção para a exportação só com o café. Essa estrutura começou a ruir com a greve de 1917, quando a burguesia paulista foi obrigada a pensar na massa trabalhadora como uma massa de gente e não mais como uma massa de escravos, como eram habitualmente tratados os trabalhadores da época. O grande comício de 1917 na Praça da Sé marcou essa fase importante. Ele aparece com um fato de grande valor nacional. Meu avô, nessa época, era um grande anarquista italiano. Fez seus últimos discursos como anarquista, contra a burguesia paulista. Eu me lembro disso porque em 1917 já tinha 8 anos de idade.


[1] Paulo Stuart Wright, filho de pastor presbiteriano, foi levado ao DOI/Codi de São Paulo e morto sob tortura nesta época.

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