sábado, 25 de agosto de 2012

CARTA INDIGNADA A UM PROFESSOR: OS “CORONEIS DA EDUCAÇÃO” E SEUS “AGIOTAS”


Benedito José de Carvalho Filho*
Doutor em Sociologia
Fortaleza, 2008

Professor Daniel Lins, gostei muito do teu artigo de domingo no jornal O Povo sobre a greve da Universidade Estadual do Ceará (UECE) chamado Conceito de Reacionário.
Realmente, Daniel, nós, professores, estamos sendo humilhados e não vejo nenhuma reação, além dessa greve que, como disseste, a mídia e o governo denegam. E nas Faculdade chamadas “privadas”, meu caro? Você tem conhecimento da prática dos chamados “gestores da educação” nesse estado e o que eles fazem com o professor?
Estou enviando um pequeno artigo que fiz baseado na minha experiência numa dessas instituições onde “o professor não existe”, ou quando existe é para cair nas mãos do que chamaste, como toda ênfase, de “agiotas” ou “coronéis letrados”. Veja a minha sintética visão sobre esses centros de produção de angústias, conforme o termo tão significativo que usaste.
“Estamos quase chegando numa época que a “verdade do mercado” na educação começa a cobrar a fatura – para não dizer a “farra”, conforme mostrou o jornal paulista Folha de São Paulo, do dia 18 de abril de 2008, terça-feira, onde publicou uma página inteira nos mostrando a crise das faculdades e universidades particulares de São Paulo, que vêm cortando cursos por falta de alunos. Só na cidade de São Paulo, segundo o jornal, pelo menos, sete instituições fecharam cursos (“enxugaram”, como se diz no economês), atrasaram salários de professores ou tiveram suas aulas prejudicadas devido a greves do passado (quem disse que nas instituições privadas não se faz greve?). Uma delas fechou as suas portas e nem sequer avisou aos estudantes. As coisas estão bravas.
Razões da crise? Segundo a interpretação do jornal, “o aumento da concorrência deflagrada no fim dos anos 90, no Governo FHC criou uma oferta maior que a demanda. O Censo de Educação Superior (2004) aponta que o número de ingressantes nas instituições particulares cresceu 2% em relação ao ano anterior. No mesmo período, a quantidade de vagas oferecidas aumentou 16,8%. Assim, cresceu o número de vagas ociosas, que chegou a 49,5% do total; em 1998, era de 20,2%”.
Terá sido somente essa “lógica do mercado” a única responsável por essa situação? O agora consultor, ex-ministro da Educação do governo FHC, Paulo Renato, mesmo tento sido o grande incentivador do ensino privado, reconhece que no seu tempo de ministério as instituições podiam criar cursos que quisessem. Mas agora – reconhece – “não é mais assim”.
Outro consultor usa uma imagem mais aventureira, como os pioneiros americanos e os que correram para Serra Pelada, mais recentemente nos rincões de nossa devastada Amazônia: “Foi uma verdadeira corrida ao ouro, todo mundo achava que poderia ganhar dinheiro com faculdade”. Mas reconhece que “muitas universidades que surgiram na época da fartura são incompetentes tanto na questão educacional quanto na gestão.”
O sr. Rayon Braga, o consultor que fez o diagnóstico acima, escapa um pouco do economicismo e nos convida a fazer algumas reflexões.
Vamos começar analisando a implantação dessas faculdades e centros superiores de ensino aqui em Fortaleza e algumas cidades do interior, trabalho, diga-se de passagem, daria uma ótima pesquisa para quem desejar conhecer as transformações do ensino superior nessas paragens.
Somente nesta cidade, a quinta maior em população e uma das rendas mais concentradas do Brasil, existem mais de 30 faculdades particulares. Isso em uma região onde mais de 70% da sua população vive com menos de um salário mínimo. Nessa “corrida ao ouro”, segundo a expressão do assessor, quem vem lucrando com isso? Como foram abertas as concessões e quem está realmente ganhando dinheiro com essa mina? Muitas delas são propriedades privadas de pessoas e grupos que nunca trabalharam ou tiveram suas atividades voltadas para educação. São pessoas e grupos econômicos provenientes de outros setores que nada têm a ver com a educação.
Uma dessas faculdades, por exemplo, tem como proprietário um exportador de carne, ramo bovino que nada tem a ver com a cultura e o conhecimento. Outros, como um proprietário de inúmeras universidades e centros de ensino espalhados por esse Brasil, possuem “Faculdades Deliverys” funcionando em shopings centers, como no Rio de Janeiro e diversas cidades do Brasil.
Um desses “coronéis da educação” num discurso de improviso, não teve o pudor de afirmar numa revista de circulação nacional que a função de “sua faculdade” (como se ela não fosse um bem público e uma concessão do Estado) não é fazer pesquisa coisa nenhuma, produzir conhecimentos (isso seria luxo demais!), mas, nessa corrida ao ouro, entupir  as salas de aula de alunos e, sem a mínima complacência, tratar os professores como se fossem peões de obra, pois muitos trabalhadores da educação que vivem o seu cotidiano nessas faculdades são extremamente explorados e tratados como idiotas.
Aproveitando o grande desemprego de profissionais da educação, e até mesmo de professores mal pagos das universidades públicas esses empresários não têm o pudor de pagar salários ilusórios que mal dá para os professores se reproduzirem como mão de obra. Esta, talvez, seja a razão da inexistência da luta sindical entre a categoria, pois muitos professores e professoras vão para essas instituições autodenominadas privadas para complementar salário ou porque não encontram vagas como professores e professoras nas universidades públicas.
O mais interessante – para não dizer trágico – é que essas instituições particulares de ensino não gastam um tostão na formação e no aperfeiçoamento de seu quadro docente, que fizeram, na maioria das vezes, seus mestrados e doutorados em universidades públicas e estão buscando complementar seus parcos salários nessas instituições, sobrecarregados de horas de aulas, convivendo cada semestre com a incerteza se vão ter ou não aula, mantendo-se numa insegurança e ansiedade permanente, onde a competição é atroz,  dividindo a categoria e impedindo qualquer movimento reivindicatório.
A grande complicação – chamada de “crise” – das faculdades privadas, com raras exceções, não é só o excesso de cursos sem aluno, na incompleta reportagem do jornal paulista. É verdade que tudo isso passa por tudo que me referi acima, mas tem a ver, também, com a proletarização das famílias das camadas médias da sociedade brasileira e cearense que fazem das tripas coração para pagar um ensino caro para os seus filhos nessas faculdades, como pude testemunhar ao ouvir as lamúrias de muitos de meus alunos e alunas. Apenas 17,3% da população brasileira entre 18 e 24 anos está matriculado no terceiro grau e como o único meio de ascensão da classe média é via educação (quem, hoje, não tem um diploma de curso superior não consegue nem um emprego de caixa de supermercado). Por isso a corrida ao diploma é uma disputa encarniçada e cruel nesse darwinismo social nesses tempos neoliberais. E que se dane a qualidade.
Os empresários lutam pelo ouro nessa corrida endoidecida, oferecendo e mascarando o sonho de “chegar lá”, enquanto enchem os bolsos maximizando seus lucros e nos fazendo acreditar que são desinteressados empresários preocupados com a formação de nossos jovens.  
Tem razão o assessor quando reconhece que há muita incompetência tanto na questão educacional quanto na gestão dessas instituições. Tem muitos gerentes dirigindo faculdades como se elas fossem fábricas de linha de montagem taylorista e que, além de não terem qualificações para gerir uma unidade de ensino, são incompetentes em matéria educacional, uma espécie de “paus mandados” – ou para usar uma expressão mais condizente como fazem de sua auto-imagem – são “executivos” ou executores das ordens dos chefes que dizem essas bobeiras citadas pela revista de circulação nacional que citei acima.
Querem ver salas lotadas, professores dóceis e alunos que nada reivindiquem, mas paguem caninamente em dia suas suadas mensalidades. E mais: querem a conivência e a cumplicidade de certos professores sempre dispostos a prestar serviços, principalmente quando se tornam coordenadores ou chefes de não sei o quê.  Às vezes se tornam piores e mais autoritários que o patrão, como bem o caracterizou Paulo Freire na sua Pedagogia do Oprimido, pois introjetam a imagem do opressor e se tornam piores que ele.
 Na marcha para oeste, os desbravadores paulistas, cariocas, mineiros¸ ou de outras plagas (alguns prefeririam que fosse norte americano e europeu), se vêem (e vêm para o sertão) como desbravadores, para não dizer, pioneiros no meio da bugrada.
Nunca esqueço, por exemplo, de uma reunião que participei numa dessas faculdades quando o seu gerente diante de uma platéia passiva e bovinamente silenciosa disse com todas as letras: “eu quero é o cérebro de vocês”. Nossos primitivos antropófagos eram mais sutis, não é cara-pálida?
Na verdade, o que eles “coordenam”? A atividade pedagógica? A proposta do curso? A formação humana e intelectual dos alunos? A sua cidadania e novos valores?  Estão preocupados com a cultura?
 Isso é secundário, pois a lógica à corrida ao ouro é manter as salas cheias e comprar o silêncio dos que tem medo de perder o emprego no parco mercado de trabalho.
Uma unidade de ensino universitário não é uma fábrica onde se põe em prática uma gerência autoritária, impondo disciplinas e não sabendo conviver com a diversidade criadora. A grande verdade é que o MEC, tanto no governo FHC, como no governo Lula, são monitorados pelos interesses dos grandes lobbies de Brasília, que permitem, por exemplo, dispensar professores doutores quando os cursos são aprovados.
Os alunos “fregueses da casa” por um período podem ser idiotas, como nos mostra aqueles que foram enganados em São Paulo, mas pouco a pouco vão refletindo, tendo mais critérios de escolhas e percebendo a qualidade do produto que recebem, mesmo quando iludidos com os outdoors espalhados pelas cidades prometendo maravilhas.
O ensino superior privado precisa urgentemente ser revisto em todos os seus aspectos. Precisamos de gestores-educadores e não de administradores na corrida ao ouro. Educadores que abram oportunidades para que os professores sejam criativos, cultivem seus conhecimentos, paguem salários decentes, invistam na sua formação e, sobretudo, compreendam que a sala de aula não é um palco de auditório de alunos que vão para os matadouros satisfeitos. A educação é uma coisa muito séria para ser entregue aos dóceis e subservientes executivos paus mandados.  
Nós, professores temos um pouco de culpa e responsabilidade em tudo isso. Suportamos como carneirinhos dóceis as ordens desses coronéis. Cada um fica “na sua”, denegando, também, a nossa própria realidade na ânsia de ganhar alguns trocados a mais, enquanto assistimos o próprio governador e outros cupinchas do poder bajular esses “coronéis da educação”.
                                       

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